Rio Branco Pode se Tornar a Capital Nacional dos Geoglifos
Por Chico Araújo*
A Comissão de Cultura da Câmara dos
Deputados aprovou, na última semana, o Projeto de Lei nº 2.999/2025, que
outorga ao município de Rio Branco, no Acre, o título de Capital Nacional dos
Geoglifos. Apresentado pelo deputado Zé Adriano (PP-AC), o projeto recebeu
relatório favorável do deputado Tarcísio Motta (PSOL-RJ) e agora segue para a
Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Essa iniciativa reconhece um
patrimônio milenar que revoluciona a compreensão sobre a ocupação da Amazônia,
elevando Rio Branco a guardiã de vestígios ancestrais.
O relatório, datado de 11 de
dezembro, enfatiza a relevância arqueológica e cultural dos geoglifos acreanos:
estruturas escavadas no solo por civilizações pré-colombianas, datadas do
primeiro século da era cristã. Compostas por círculos, quadrados, linhas
interligadas e outras formas geométricas, essas obras revelam sociedades
indígenas com engenharia e arquitetura avançadas, que transformaram a paisagem
amazônica. "Esses monumentos oferecem uma nova perspectiva sobre a densa
ocupação da Amazônia por povos ancestrais", destaca o texto do relator,
ecoando a justificativa do autor.
Na tramitação pela Comissão de
Cultura, o projeto não sofreu emendas e prossegue em regime ordinário, com
apreciação conclusiva pelas comissões, conforme o Regimento Interno da Câmara.
O relatório cita decisões recentes da Presidência da Casa, nas Questões de
Ordem nº 260/2025 e 262/2025, que autorizam audiências públicas em etapas
posteriores, sem obstruir o avanço da proposta.
O Que São os Geoglifos e Sua Importância Histórica
Os geoglifos do Acre são grandes
figuras geométricas construídas no solo por meio de valas, com dimensões variando
de dezenas de metros a quase um quilômetro quadrado. Incluindo círculos,
quadrados, retângulos, octógonos e formas interconectadas, foram erguidos entre
1200 a.C. e o século XIV d.C., demonstrando um manejo sofisticado da paisagem
por comunidades indígenas.
Sua relevância histórica reside em
desafiar a visão tradicional de uma Amazônia primitiva e escassamente povoada.
Eles atestam a existência de sociedades complexas, com populações densas e
tecnologias para alterar permanentemente o ambiente. Funcionando como espaços
rituais e de comunicação – comparáveis a catedrais medievais europeias –,
indicam práticas coletivas que integravam simbolismo cultural, manejo florestal
e possivelmente caça de megafauna, como preguiças gigantes e mastodontes.
Ao longo de seis mil anos, esses
geoglifos evidenciam impactos humanos contínuos na floresta, com modificações
no solo e na vegetação, reescrevendo a narrativa sobre o povoamento das
Américas.
A Descoberta dos Geoglifos e o
Pioneirismo de Alceu Ranzi
A revelação desses geoglifos ganhou
força nas últimas décadas, impulsionada pelo desmatamento para agropecuária,
que expôs estruturas antes ocultas pela densa vegetação da Amazônia Ocidental.
O paleontólogo e geógrafo Alceu Ranzi, professor da Universidade Federal do Acre,
foi protagonista nessa jornada. Em 1977, como estudante de geografia, Ranzi
avistou os primeiros geoglifos durante um voo sobre áreas desmatadas,
identificando meia dúzia de anéis pré-históricos gigantes na zona interfluvial
dos rios Alto Purus e Madeira, perto de Rio Branco.
Essa descoberta inicial, em parceria
com arqueólogos, inaugurou uma série de achados que hoje somam mais de 600
sítios catalogados. Nos anos 2000, Ranzi ampliou as pesquisas: em 2009, com a
arqueóloga Denise Schaan, anunciou 250 geoglifos adicionais em áreas como as
fazendas Atlântica e Quinauá.
Expedições recentes, como as de 2020,
investigaram funções das estruturas, sugerindo que aberturas na floresta
atraíam megafauna, reforçando a imagem de uma civilização amazônica organizada e
impactante. O trabalho de Ranzi não só mapeou esses vestígios, mas também
alertou para riscos como o avanço agrícola, que destrói sítios arqueológicos.
Expedições de Alceu Ranzi: Avanços Recentes na Pesquisa
Em 2025, Ranzi comandou expedições
que expandiram o conhecimento sobre os geoglifos. De 4 a 10 de maio, em Boca do
Acre (Amazonas), no projeto "Desvelando o passado profundo", a equipe
empregou tecnologia LiDAR e fotografia aérea para mapear estruturas sob a
vegetação, identificando 124 pontos potenciais e um geoglifo principal de cerca
de 1.000 metros, com formas como círculos e quadrados, datados de 1.000 a.C. a
1.000 d.C.
De 10 a 12 de maio, ainda em Boca do
Acre e Lábrea (Amazonas), drones com LiDAR de alta precisão detectaram novos
geoglifos, revelando uma rede de centros cerimoniais ligados à civilização
Aquiry, que teria abrigado mais de um milhão de habitantes em seu ápice, por
volta de 150 d.C.
Em 25 de maio, na fronteira entre
Brasil, Peru e Bolívia, o foco foi coletar material orgânico para datação por
carbono-14, visando esclarecer a cronologia e os propósitos rituais ou
defensivos das estruturas, erguidas há 2.000 a 3.000 anos.
Finalmente, de 26 de maio a 10 de
junho, partindo de Rio Branco e abrangendo Assis Brasil (fronteira Acre-Peru),
Boca do Acre e margens dos rios Purus, Madeira e Abunã (fronteira
Acre-Bolívia), a expedição coletou amostras genéticas e orgânicas, mapeando 523
estruturas. As pesquisas destacaram sociedades antigas com conhecimentos
geométricos equiparáveis à Grécia Antiga, além de enfatizar a necessidade de
preservação contra o desmatamento.
Por Que Rio Branco Merece o Título
Rio Branco se destaca como candidata
ideal, cumprindo os critérios da Lei nº 14.959/2024, que exige veracidade em
honrarias nacionais. Dos mais de mil geoglifos identificados no Acre, 56 estão
na capital, conforme o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(Iphan). O Sítio Arqueológico Jacó Sá, na cidade, foi o primeiro geoglifo
tombado pelo Iphan, em março de 2024, ampliando sua importância nacional e
internacional.
O relator argumenta que o título
preservará a memória ancestral, impulsionando turismo, pesquisa e investimentos
em patrimônio. "Essa concessão posicionará Rio Branco como referência
global para estudos dos geoglifos amazônicos, atraindo políticas para gerações
futuras", afirma Motta.
Se aprovada, a lei consolidará Rio
Branco como custodiante de um legado que contesta narrativas tradicionais sobre
a Amazônia, revelando civilizações complexas na floresta ocidental há dois mil
anos. Especialistas enxergam na medida uma chance de valorizar a identidade
indígena e fomentar o ecoturismo sustentável.
O projeto aguarda avaliação
constitucional para seguir ao Plenário ou ao Senado, avançando no
reconhecimento de tesouros arqueológicos brasileiros.
*Chico Araújo é advogado e
jornalista, autor de “Quando Convivi com os Ratos” (Editora Social, 2024),
“Sombras do Poder: As Vísceras da Corrupção no Acre na Operação Ptolomeu”
(Editora Social, 2025) e “Memórias de Um Repórter - Entre o Mimeógrafo e o
Centro do Poder” (Editora Social, 2025).
