
Chico Araújo (*)
Mais uma vez, a promessa ressurge como um disco riscado: a Ferrovia do
Pacífico, a salvação do Acre, agora embrulhada no papel brilhante da Rota da
Seda chinesa. Desde Euclides da Cunha, que em Um Paraíso Perdido vislumbrava um
Acre mítico, até figuras como o ex-senador Aluísio Bezerra e o excêntrico Zamir
Teixeira, com seus planos grandiosos, a narrativa é sempre a mesma. A cada
ciclo eleitoral, surge um novo messias prometendo transformar o Acre na Suíça
da Amazônia, o “melhor lugar do planeta”. Enquanto isso, nós, acreanos,
continuamos na estação, olhando o horizonte, esperando o trem que nunca chega.
A nova lorota diz que os chineses, com seus bilhões, vão financiar a
ferrovia, e o Acre finalmente sairá das sombras para brilhar no palco global. A
mesma história foi contada com a Rodovia Bioceânica, alardeada como a oitava
maravilha do mundo. “O Acre será o maior corredor de exportação da América
Latina!”, juravam os entusiastas. Mas, vamos aos fatos: em 2023, as exportações
do Acre, segundo o IBGE, somaram apenas R$ 21,9 milhões, com madeira compensada
(49%) e serrada (27%) na liderança. Isso é menos de 0,1% do PIB estadual, que,
com seus R$ 21,3 bilhões, representa 0,2% do PIB nacional. Corredor de
exportação? Por enquanto, só de promessas.
Sonhar com a Suíça é fácil, mas a realidade acreana é bem mais áspera. O
IDH do estado, de 0,751, coloca o Acre na 17ª posição nacional, à frente apenas
de Roraima no Norte. A violência é um flagelo: o tráfico de drogas dispara na
Amazônia Legal, com apreensões 40% maiores em 2024, segundo a Folha de S.Paulo.
A corrupção? Um velho conhecido. A Operação Ptolomeu, da PF, expôs em 2023 um
esquema de desvio de R$ 120 milhões no governo estadual, com o governador Gladson
Cameli no centro do furacão.
E o que segura o Acre de pé? Os repasses do Tesouro Nacional e o Bolsa
Família. Em 2024, o estado embolsou R$ 8,7 bilhões em transferências federais e
R$ 2,7 bilhões em benefícios sociais. O Bolsa Família sustenta 130,9 mil
famílias – 44% dos 880,6 mil habitantes. Sem isso, o Acre, que Mário de Andrade
apelidou de “primo pobre da Nação”, estaria em apuros ainda maiores. E,
enquanto o governo vende a imagem de um estado pujante, a dependência de verbas
federais só cresce, como uma corrente que prende o Acre ao passado.
Mas não se preocupe, dizem os otimistas: a Ferrovia do Pacífico vai
resolver tudo! Como se uma linha de trem pudesse apagar décadas de má gestão,
infraestrutura precária e uma economia que patina na lama do extrativismo. O
Acre já ouviu essas promessas antes – na época da borracha, na abertura da
BR-364, na febre da Bioceânica. Cada projeto veio com pompa, mas deixou o
estado na mesma: rico em discursos, pobre em resultados. A ferrovia pode até
sair do papel, mas sem planejamento sério, será só mais um elefante branco na
selva.
E enquanto esperamos o milagre, o Acre segue refém de sua própria
narrativa. A juventude, sem perspectivas, migra para outros estados ou cai nas
garras do crime organizado, que encontra terreno fértil em cidades como Rio
Branco e Cruzeiro do Sul. As escolas, sucateadas, formam alunos com desempenho
abaixo da média nacional – o Ideb do Acre em 2023 foi de 4,8 no ensino médio,
contra 5,2 da média brasileira. A saúde? Postos lotados, hospitais precários e
filas intermináveis. A Ferrovia do Pacífico pode ser um belo conto, mas não vai
curar essas feridas abertas.
No fim das contas, o Acre continua sendo o “melhor lugar da Amazônia” só
na propaganda oficial. A Ferrovia do Pacífico, como tantas outras promessas,
corre o risco de virar mais uma página no livro das ilusões acreanas. Enquanto
o estado não enfrentar seus problemas estruturais – corrupção, dependência
econômica, falta de inovação –, seguiremos sendo o eterno “primo pobre” de
Mário de Andrade, sonhando com trens que nunca chegam.
(*) Chico Araújo, advogado,
jornalista, com mais de três décadas no jornalismo. Autor do livro “Quando
Convivi com os Ratos” (Uiclap)
https://loja.uiclap.com/titulo/ua76262,
agora lança Sombras do Poder- As vísceras da corrupção no Acre expostas na
Operação Ptolomeu”. https://loja.uiclap.com/titulo/ua93569
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