O voto jurídico do Ministro Fux na Ação Penal 2668
Muito antes do início do julgamento da Ação Penal
2668, me posicionei sobre aqueles que participaram dos eventos de 8 de janeiro
e que ainda se encontram presos, condenados a penas que considero excessivas,
como 14, 15 e 16 anos. Também me manifestei contra o que chamam de núcleo
golpista. Afirmo: não houve golpe, nem tentativa, pois nenhum soldado foi
mobilizado e nenhum comandante militar agiu para tal. Segundo os jornais, o que
houve foram conversas que, em minha opinião, jamais resultariam em um golpe, uma
vez que, para isso, seria necessária a participação das Forças Armadas.
Fui professor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército
durante 33 anos. Vinha alertando, ao longo de todo o ano de 2022, em artigos,
audiências públicas no Congresso, palestras e declarações em Instituições de
que participo, que não haveria nenhum risco de golpe. E não houve.
Sempre mantenho o respeito aos ministros do Supremo Tribunal
Federal, algo pelo qual sou, muitas vezes, criticado. Reafirmo, pois, o que
está presente na minha vida e pode ser lido no “Decálogo do Advogado” que
elaborei para meus alunos no Mackenzie, na década de 1980, onde enfatizo tal
posicionamento.
Discordo, porém, da decisão da Suprema Corte. Por ser
consideravelmente mais velho do que todos os magistrados e maioria dos
advogados em exercício no STF, nos meus 68 anos de carreira, advoguei tanto à
luz do Código de Processo Civil anterior quanto do atual, bem como sob a
vigência das Constituições de 1946, 1967 e 1988.
Em todos estes anos, nunca havia presenciado um processo no
qual, o Ministro relator realizasse declarações prévias sobre seu desfecho e
incluísse uma série de atos não intrinsecamente ligados à magistratura, mas
exercidos pelos Ministros em funções extra-magistratura.
Por todas as considerações e manifestações que fiz, confesso
que fiquei muito feliz em ver exposto pelo Ministro Luiz Fux, em seu voto, tudo
aquilo que defendi.Minha admiração por ele sempre foi grande. Somos confrades
na Academia Brasileira de Letras Jurídicas e tenho muito orgulho de ter votado
nele quando se candidatou para entrar na mais importante Academia de Direito do
Brasil. Há que se destacar, também, que ele presidiu a Comissão de Juristas que
elaborou o atual Código de Processo Civil.
Ele é o único Ministro de carreira entre os cinco presentes
na 1ª Turma. O Ministro Zanin, embora um grande advogado, não era magistrado. O
Ministro Dino foi juiz, mas deixou a magistratura para seguir carreira
política, tendo sido governador, senador e Ministro da Justiça antes de
ingressar no STF sendo, portanto, político. A Ministra Cármen Lúcia, uma
respeitada procuradora de Estado e professora, mas não teve carreira na
magistratura. Por fim, o Ministro Alexandre de Moraes, que também não foi
magistrado de carreira, mas sim promotor de justiça do Ministério Público de
São Paulo e ocupou diversos cargos políticos em São Paulo, como Secretário de
Segurança Pública e de Justiça, além de ter sido Ministro da Justiça e
Secretário Municipal de Negócios Jurídicos.
Portanto, o único magistrado, que ascendeu ao Supremo
Tribunal Federal tendo construído uma carreira na magistratura, foi o Ministro
Fux, que foi também o relator do nosso Código de Processo Civil. Assim, estamos
falando do cidadão que mais entende de processo dentro da Corte.
Nosso entendimento é que o processo civil é matriz, desde o
direito romano, de outras esferas processuais, como penal, civil, tributária,
pública, trabalhista e militar. Conforme ensinava Canuto Mendes de Almeida, o
Código de Processo Penal não tem como objetivo proteger a sociedade, mas sim o
acusado, servindo como uma carta de defesa contra linchamentos públicos. Essa
foi a tese de doutoramento e de cátedra por ele defendida, em 1941, na
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Nesta esteira, em sua decisão, o Ministro Fux expôs as falhas
no rito que se observou ao longo deste processo. Embora eu não seja penalista,
com 68 anos de advocacia, aprendi alguma coisa e vi detalhado no seu brilhante
voto, aquilo que efetivamente eu vinha dizendo, demonstrando, inclusive, que as
sustentações orais foram limitadas e os advogados não tiveram acesso às provas
em tempo hábil para estudar.
Repito o que sempre disse: o direito de defesa é um direito
sagrado em uma democracia. É o direito de defesa, que não existe nas ditaduras,
que garante a democracia. Não existe, portanto, na China, Rússia, Venezuela e
Cuba, países nos quais o direito de defesa é uma farsa.
Na democracia brasileira, entretanto, o direito de defesa é
garantido pelo ordenamento jurídico processual, conforme elucidado pelo
Ministro Fux.
Lembro que coordenei, anos atrás, com o então presidente da
OAB/SP, Marcos da Costa, o livro “A importância do direito de defesa para a
democracia e a cidadania” com a colaboração de eminentes autores, como o
ex-presidente da OAB Claudio Lamachia, o relator da Constituição Brasileira
Bernardo Cabral e grandes penalistas do Brasil valorizando o artigo 5º, inciso
LV da Lei Suprema.
Tenho admiração pelos outros quatro Ministros, mas considero
o Ministro Fux o mais competente em matéria processual, inclusive por ter
participado da elaboração do atual CPC, e por ser magistrado de carreira. Seu
voto foi, para mim, o mais jurídico e isento de conotações políticas, o que é
fundamental para o momento atual do Brasil.
Seguindo esta lógica, não falo em anistia por uma questão
política; defendo-a porque precisamos de pacificação. O Brasil não crescerá
enquanto mantivermos radicalizações que só aumentam as tensões e o pior: o ódio
entre irmãos brasileiros.
Por isso, como advogado e professor de Direito há 61 anos,
atuando como solicitador desde 1957 e, posteriormente, como advogado, a partir
de 1958, o voto do Ministro Fux me trouxe enorme satisfação. Ele demonstra que,
apesar dos meus 90 anos, não estou com Alzheimer e que meu raciocínio jurídico
permanece sólido, pois alinha-se rigorosamente ao pensamento de quem elaborou
nosso CPC. Seu voto foi brilhante, estritamente jurídico e desprovido de
conotação política.
Ives Gandra da Silva Martins é professor emérito das universidades
Mackenzie, Unip, Unifieo, UniFMU, do Ciee/O Estado de São Paulo, das Escolas de
Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme), Superior de Guerra (ESG) e da
Magistratura do Tribunal Regional Federal – 1ª Região, professor honorário das
Universidades Austral (Argentina), San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis
(Romênia), doutor honoris causa das Universidades de Craiova
(Romênia) e das PUCs PR e RS, catedrático da Universidade do Minho (Portugal),
presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio -SP, ex-presidente da
Acade mia Paulista de Letras (APL) e do Instituto dos Advogados de São Paulo
(Iasp).