A Constituição e a liberdade
Considero que a liberdade de
expressão é, sem dúvida, a pedra angular da democracia. Para mim, ela é
fundamental não só para que haja um debate público vibrante, mas também para
garantir a pluralidade de ideias em nossa sociedade.
Apesar de todas as críticas que são feitas ao ativismo
judicial e das diversas questões constitucionais em debate, eu defendo que o
Brasil permanece uma democracia. E, nesse contexto, vejo a liberdade — em
especial a liberdade de expressão e de defesa — como a principal arma para a
manutenção do Estado de Direito. É por meio dela que podemos proteger o
indivíduo da opressão e do silenciamento.
Homenagem e a Defesa da Liberdade
Recentemente, a Reunião do Conselho Superior de Direito da Fecomercio-SP foi dedicada à láurea de intelectuais brasileiros — incluindo juristas, economistas, jornalistas e profissionais de diversas áreas — fizeram homenagem aos meus 90 anos, com o lançamento do livro "A Constituição e a Liberdade".
A obra foi coordenada pelo jurista Professor Doutor Modesto
Carvalhosa e pelo economista Professor Doutor Luciano de Castro. O livro reúne
54 artigos de expressivos intelectuais brasileiros, com contribuições de
autores como o ex-presidente Michel Temer; o ex-candidato à presidência da República
Luiz Felipe D’Avila; o deputado federal Luiz Philippe de Orléans e Bragança, um
dos mais ativos da nossa Câmara Federal; Manoel Gonçalves Ferreira Filho, o
maior constitucionalista do Brasil; os economistas Marcos Cintra e Paulo
Rabello de Castro e os jornalistas J. R. Guzzo (in memoriam), Paula
Leal e Ana Paula Henkel.
O lançamento contou com a presença e palestras de diversos
autores, como Modesto Carvalhosa, Paulo Rabello de Castro, Manoel Gonçalves
Ferreira Filho, Tiago Pavinatto, Luciano de Castro, Angela Vidal Gandra da
Silva Martins, Luiz Philippe de Orléans e Bragança, Almir Pazzianoto e André
Marsiglia, que, entre outros presentes, fizeram manifestações notáveis.
Em suas palestras, todos demonstraram que a liberdade de
expressão é o alicerce fundamental da democracia. Comprovaram que não há
democracia em um país onde existe o receio de falar. O cenário onde a palavra
pode levar à prisão e a crítica às autoridades gera risco de detenção é
característico de todas as ditaduras, o que impede a existência de uma
democracia genuína.
Os oradores, cada um no seu estilo e campo de conhecimento
específico, defenderam com firmeza a ideia de que só a ampla liberdade de
expressão é prova de uma verdadeira democracia, na qual o cidadão não precisa
ter medo de falar.
Reafirmaram que, se houver abuso, a punição deve ser
posterior ao ato. Em consonância com o antigo artigo 19 do Marco Civil da
Internet — e não com a versão modificada pelo Supremo Tribunal Federal — e com
a própria Constituição, a responsabilização pelo abuso de manifestação deve
ocorrer por meio de ações judiciais e indenização por danos morais
posteriormente, mas jamais em controle antecipado. Afinal, sem liberdade de
expressão, a própria democracia se fragiliza.
Lembraram, ainda, que os Poderes Executivo e Legislativo são
representativos do povo, enquanto o Poder Judiciário, que representa a lei, não
tem essa mesma representatividade popular. Por essa razão, o Judiciário deve
obedecer às determinações do povo, manifestadas por meio de seus representantes.
A principal mensagem foi a de que não devemos criticar
pessoas, mas sim ideias, sempre respeitando as opiniões divergentes. Eles
defenderam a ideia de que, mesmo não concordando com as decisões de uma
autoridade, a crítica deve ser direcionada à ação ou ao posicionamento, e não a
ataques pessoais. Trata-se, pois, daquilo que eu sempre fiz na vida: respeitar
opiniões diferentes, não atacar pessoas, mas defender ideias. Essa é a
verdadeira democracia.
Nesta esteira, todos os oradores defenderam o direito à
palavra e à livre expressão do pensamento, com a ressalva de que a divergência
deve ser dirigida às ideias e não às autoridades, demonstrando a elas respeito.
A anistia, por exemplo, deve ser para a paz, e não um
instrumento para o ódio ou para a manutenção de radicalizações.
O Poder Judiciário deve ser um agente de pacificação, e não o
mantenedor de um clima de insegurança. Afinal, seus integrantes são grandes
juristas, mas não são políticos.
Durante a reunião no Conselho, o Poder Judiciário foi
respeitado, mas criticado por seu protagonismo excessivo e pela invasão da
competência de outros Poderes. Foi defendida a ideia de que a luta de todos os
brasileiros deve ser pelo respeito à Constituição, pela liberdade de expressão
e pela verdadeira democracia, com pleno direito de defesa. Esse é o caminho
para um país realmente democrático.
Essa postura é a mesma que eu vi durante os 20 meses de
debates constituintes. Ao sairmos de um regime de exceção, os Constituintes de
1988 almejavam um regime de plena democracia, com absoluta harmonia e
independência entre os três Poderes.
Senti-me profundamente honrado por, aos 90 anos, ver um grupo
tão importante de pensadores e intelectuais manifestar publicamente as ideias
que defendemos na reunião. Era isso que eu gostaria de trazer aos meus leitores
sobre o lançamento da obra "A Constituição e a Liberdade".
Ives Gandra da Silva Martins é
professor emérito das universidades Mackenzie, Unip, Unifieo, UniFMU, do Ciee/O
Estado de São Paulo, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme),
Superior de Guerra (ESG) e da Magistratura do Tribunal Regional Federal – 1ª
Região, professor honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin
de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia), doutor honoris causa das
Universidades de Craiova (Romênia) e das PUCs PR e RS, catedrático da
Universidade do Minho (Portugal), presidente do Conselho Superior de Direito da
Foto - Andreia Tarelow