Por Chico Araújo, de Brasília
Neste domingo, 25, o paleontólogo e
geógrafo Alceu Ranzi, professor aposentado da Universidade Federal do Acre
(UFAC) e presidente do Instituto de Geoglifos da Amazônia, embarca em uma
expedição audaciosa na fronteira entre Brasil, Peru e Bolívia. A missão é
coletar materiais orgânicos, como fragmentos de cerâmica e carvão, para análise
por carbono-14, uma técnica que mede a deterioração desse isótopo para datar
vestígios arqueológicos com precisão. O alvo é a civilização Aquiry, que há
cerca de 2 mil anos habitou a Amazônia Ocidental, especialmente o Acre e o sul
do Amazonas, deixando um legado que desafia antigas concepções sobre a ocupação
humana na região.
Os geoglifos, imensas figuras geométricas
escavadas no solo, são a marca indelével da civilização Aquiry. Compostos por
valas e muretas que formam círculos, quadrados, hexágonos e octógonos — alguns
com mais de 100 metros de diâmetro —, esses monumentos provavelmente serviam a
rituais religiosos e celebrações, não a defesas ou moradias. Entre 1000 a.C. e
o início da era cristã, os Aquiry dominavam a geometria, criando desenhos
colossais com ferramentas rudimentares de madeira e pedra. Curiosamente, seu desaparecimento
coincide com o abandono de sítios no deserto de Yacatan, no México, sugerindo
possíveis conexões culturais ou impactos climáticos que abalaram civilizações
nas Américas.
Entre 15 e 20 deste mês, Ranzi e sua
equipe descobriram novos geoglifos em Boca do Acre e Lábrea, no Amazonas,
anunciados em coletiva no dia 22, no Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (IPHAN), em Manaus. Com mais de mil geoglifos catalogados,
Ranzi acredita que o número total seja ainda maior. “No Amazonas, o trabalho
com os geoglifos está apenas começando”, declarou. A pesquisa, que reúne
arqueólogos, geógrafos, ecólogos, engenheiros e arquitetos, reflete a
complexidade dessas estruturas. Descobertos inicialmente em 1977, por Ondemar
Dias com a participação de Ranzi, então estudante, os geoglifos ganharam
visibilidade com o desmatamento e, a partir dos anos 2000, com tecnologias como
imagens de satélite do Google Earth e LIDAR, que revelam formas sob a vegetação
densa.
A redescoberta dos geoglifos reescreveu a história
da Amazônia, antes vista como um vazio cultural. Ranzi, que estuda essas
estruturas há 30 anos, publicou obras como Geoglifos do Acre: Passado Profundo
e Amazônia: Os Geoglifos e a Civilização Aquiry (com Martti Pärssinen), além de
artigos em revistas renomadas como Science e The Guardian. Suas colaborações
com instituições como a Universidade de Helsinque culminaram na indicação dos
geoglifos como Patrimônio da Humanidade pela UNESCO em 2015. Essas descobertas
revelam uma Amazônia vibrante, com sociedades complexas, desafiando narrativas
eurocêntricas e reforçando a urgência de preservar esse legado para entender a
história da humanidade.
A busca de Ranzi transcende fronteiras e
inspira o mundo. Seus estudos abrem janelas para um passado em que a Amazônia
era um polo de inovação cultural, com povos que moldaram a paisagem com
precisão e propósito. A cada novo geoglifo descoberto, reforça-se a importância
de proteger a floresta, não apenas como ecossistema, mas como arquivo vivo da
história humana. As expedições de Ranzi são mais que ciência: são um convite a
repensar nossa relação com o passado e a reconhecer a genialidade dos povos
que, há milênios, transformaram a Amazônia em um cenário de monumentos
eternos."Nós esperamos que num futuro breve as imagens estejam nas
cartilhas. Que nos livros que se dão aula não tenham só as pirâmides do Egito,
Mesopotâmia, tenhamos as nossas relíquias do nosso povo aqui da Amazônia",
afirmou Ranzi.
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