Quero expor aos amigos leitores, apenas como
professor universitário e advogado, aquilo que fiz a vida inteira: comentar a
lei, como a vejo, com interpretações exclusivamente doutrinárias. Admito,
evidentemente, que posso não estar certo, mas enquanto não me convencerem do
contrário, continuarei com a interpretação que me parece mais adequada.
Ocorre que o Constituinte – lembro aos meus
leitores que acompanhei a Constituinte durante 20 meses - decidiu, com nitidez,
que deveriam ser julgados pelo STF apenas aqueles expressamente nomeados no
artigo 102, e que os não citados estariam sujeitos a um juízo natural de
primeira instância por não terem foro privilegiado.
Nesta esteira, o ministro aposentado do
Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello, tem criticado a inclusão de
pessoas que têm direito a um juízo natural (que é o juízo em primeira
instância), na competência da Suprema Corte.
Tenho defendido posição idêntica ao do
ministro Marco Aurélio, que foi presidente do STF e é meu confrade na Academia
Internacional de Direito e Economia. O julgamento recente da Suprema Corte, no
caso do deputado Alexandre Ramagem, demonstra, a meu ver, que a nossa
interpretação é a mais adequada.
Está escrito no artigo 5° da nossa
Constituição Federal, como princípio fundamental, que todos são iguais perante
a lei. Partindo do pressuposto de que todos estão na mesma ação – são sete – e
teriam cometido, segundo o Supremo Tribunal Federal (não de acordo com a
Câmara), crimes rigorosamente idênticos, a Suprema Corte decidiu que mesmo
aqueles que teriam direito a juízo natural em primeira instância serão julgados
por ela em uma única instância.
Só que desses seis ou sete réus, um deles será
julgado apenas por alguns pretendidos crimes, enquanto os outros serão julgados
por todos os crimes a eles imputados.
O que vale dizer: tendo supostamente cometido
os mesmos atos, eles serão julgados em uma única ação, com alguns sendo
condenados – ao menos é o que sinalizam as entrevistas concedidas sobre o caso,
inclusive quando aceitaram a continuação da denúncia como réus – e um deles
recebendo uma pena menor.
Evidentemente, o princípio da igualdade foi
maculado. Tendo cometido o mesmo crime, aqueles que têm foro privilegiado e que
só poderiam ser julgados pela Supremo Corte, por se enquadrarem no artigo 102
da Constituição Federal, terão uma pena menor do que aqueles que não estão, nem
poderiam ser por ela julgados e que, por não terem foro de competência única do
STF, deveriam ser julgados pela primeira instância.
A interpretação da Suprema Corte que alargou
uma competência que não tem, conforme o artigo 102 da Constituição, faz com
que, por terem sido colocados na mesma ação, pessoas que teriam direito ao
juízo natural, sejam pelo STF julgadas e tenham uma pena maior. Isso porque já
foi excluída aquela interpretação – que também, a meu ver, não é a melhor – de
que só o que teria sido praticado pelo parlamentar depois de ter tomado posse é
que estaria suspenso pelo Supremo Tribunal Federal, em decorrência da decisão
da Câmara dos Deputados, mas não os atos anteriores.
A colocação de todos na mesma ação, nos mostra
que a decisão do Pretório Excelso será, necessariamente, desigual para o mesmo
tipo de imputação criminal. Ora, indiscutivelmente, os outros que, pela CF/88,
não deveriam ser julgados pelo Supremo, mas o serão, sem ter este privilégio da
suspensão da ação por parte da Câmara, terão uma pena maior.
Tenho a impressão de que os Constituintes, a
meu ver de modo correto, deram expressamente foro privilegiado apenas àquelas
pessoas que estão elencadas no artigo 102, e não a outras que não mencionaram
no texto supremo, por tratar-se de uma lista taxativa.
A minha exegese, entretanto, é de um
mero professor de província, enquanto a dos Ministros é a que prevalece,
servindo a minha apenas como mera reflexão acadêmica. Não posso deixar de
trazer, todavia, aos amigos leitores aquilo que me parece a interpretação
correta de “foro privilegiado” em relação àqueles que deveriam ser julgados
pelo Supremo Tribunal Federal.
Realmente, associo-me às sábias lições do
confrade Marco Aurélio de Mello, que foi um dos grandes ministros da nossa
Excelsa Corte, tendo-a presidido e sendo o responsável pela criação da TV
Justiça.
Ives
Gandra da Silva Martins é
professor emérito das universidades Mackenzie, Unip, Unifieo, UniFMU, do Ciee/O
Estado de São Paulo, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme),
Superior de Guerra (ESG) e da Magistratura do Tribunal Regional Federal – 1ª
Região, professor honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin
de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia), doutor honoris causa das
Universidades de Craiova (Romênia) e das PUCs PR e RS, catedrático da
Universidade do Minho (Portugal), presidente do Conselho Superior de Direito da
Fecomercio -SP, ex-presidente da Academia Paulista de Letras (APL) e do
Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp).
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