Chico Araújo (*)

No dia 17 de maio de 1992, um domingo, o governador do Acre, Edmundo Pinto de Almeida Neto (PDS), foi assassinado a tiros no apartamento 704 do Hotel Della Volpe, em São Paulo. Passados 33 anos, o crime permanece envolto em mistérios e controvérsias, sem uma elucidação definitiva. Edmundo, aos 38 anos, era uma figura carismática e controversa, cuja trajetória política e trágico fim marcaram a história do Acre e do Brasil.

Conheci Edmundo antes de sua ascensão política. Advogado formado pela Universidade Federal do Acre e motoqueiro habilidoso, ele era conhecido por sua cordialidade e simplicidade. Sua entrada na política foi meteórica: filiado à ARENA, foi derrotado como candidato a deputado estadual em 1974 e a vereador em Rio Branco em 1976. Após a reforma política do governo Figueiredo, que acabou com o bipartidarismo, ingressou no PDS e conquistou cargos eletivos. Em 1982, foi eleito vereador em Rio Branco; em 1986, tornou-se deputado estadual; e, em 1990, venceu a eleição para governador do Acre, assumindo o cargo em 15 de março de 1991.

Edmundo era uma figura singular nas redações dos jornais acreanos. À época, eu era repórter de Política no jornal O Rio Branco, dos Diários Associados, e testemunhei suas visitas. Como vereador e deputado, ele aparecia à tarde, sempre com as mãos cheias de mariolas (cocadas) e chocolates, que distribuía para, segundo ele, “adoçar a boca do povo”. Leitor voraz, presenteava amigos com livros, muitos deles obras clássicas. Sua presença era festejada, marcada por um carisma que cativava aliados e adversários.

Acompanhei Edmundo em diversos eventos no Acre e em um momento crucial em Brasília, no início dos anos 1980, quando uma comitiva de deputados acreanos participou das prévias do PDS para escolher o candidato do partido à Presidência da República no Colégio Eleitoral de 1985. Na disputa interna, Edmundo apoiou Paulo Maluf, ex-governador de São Paulo, contra Mário Andreazza, então ministro do Interior do governo Figueiredo. Maluf venceu as prévias, mas, na eleição indireta de 15 de janeiro de 1985, Tancredo Neves (PMDB) derrotou Maluf com 480 votos (69,5%) contra 180 (26,1%) do adversário. Tancredo, porém, faleceu antes de assumir, e José Sarney, que rompeu com o PDS para integrar a chapa da Aliança Democrática, tornou-se presidente.

Dos deputados federais acreanos da época, os votos no Colégio Eleitoral se dividiram: Amilcar de Queiroz (PDS), Nosser Almeida (PDS), Wildy Viana (PDS), Rui Lino (MDB) e Alércio Dias (PDS) votaram em Maluf, enquanto Aluísio Bezerra (MDB), Geraldo Fleming (MDB) e José Melo (MDB) apoiaram Tancredo Neves. Essa divisão refletia as tensões políticas do período de transição democrática. Wildy é pai de Jorge e Tião Viana, que, posteriormente, se filiaram ao PT e se elegeram governador e senador, cada um com dois mandatos, em cada cargo.

No início de seu mandato como governador, Edmundo foi envolvido em um escândalo relacionado à construção do Canal da Maternidade, uma obra em Rio Branco executada pela Construtora Odebrecht, orçada em cerca de US$ 10 milhões. A obra tornou-se alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Congresso Nacional, que investigava desvios de recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). O então ministro do Trabalho, Antônio Rogério Magri, foi acusado de receber uma propina de US$ 30 mil, embora sua participação nunca tenha sido comprovada. Edmundo, também acusado de receber propina, negou as alegações, que jamais foram confirmadas.

Convocado para depor na CPI, Edmundo chegou a Brasília na sexta-feira, 15 de maio de 1992. Em uma coletiva no Salão Negro do Congresso Nacional, declarou que, em seu depoimento marcado para a semana seguinte, revelaria todo o esquema de corrupção envolvendo o Canal da Maternidade. Após a coletiva, seguiu para São Paulo, onde, entre outras atividades, assistiu ao filme Cabo do Medo (1991, dirigido por Martin Scorsese). Na madrugada do dia 17, foi morto com dois tiros – um de raspão na cabeça e outro no coração – no Hotel Della Volpe. Três quartos no mesmo andar eram ocupados por funcionários da Odebrecht, o que alimentou suspeitas de crime político.

A polícia paulista concluiu que o assassinato foi um latrocínio (roubo seguido de morte), alegando que os criminosos roubaram cerca de Cr$ 500 mil a Cr$ 600 mil de Edmundo e US$ 1.500 de um hóspede norte-americano. Três acusados – incluindo Gilson José dos Santos – foram presos, mas nunca revelaram possíveis mandantes. Todos acabaram mortos em presídios de São Paulo, o que reforçou as teorias de “queima de arquivo”. Novas investigações em 1993 e 2003 não esclareceram o caso.

A CPI da Pistolagem, instalada em 1992 e presidida pelo deputado Edmundo Galdino, contestou a tese de latrocínio. O relatório final, acessado no Centro de Documentação e Informação da Câmara dos Deputados, afirmou: “Não restam dúvidas de que Edmundo Pinto foi morto por encomenda. [...] Dessa diligência e da análise que houve, neste caso, mais um crime de pistolagem, apesar do entendimento do Ministério Público e da Justiça paulista de que se tratou de latrocínio.”

O jornalista norte-americano John Lee Anderson, colaborador da revista The New Yorker, investigou o caso e levantou dúvidas sobre a versão oficial, sugerindo motivações políticas e corrupção como possíveis causas do crime. Suas conclusões, publicadas em reportagens na década de 1990, reforçaram a percepção de que o assassinato foi encomendado.

O caso ganhou nova visibilidade em 2018, com o sexto episódio da quarta temporada da série Investigação Criminal, disponível na Netflix. O documentário, com 43 minutos, reconta a investigação e destaca as contradições da tese de latrocínio, ouvindo agentes de segurança, peritos e familiares de Edmundo, que até hoje contestam a versão oficial.

A morte de Edmundo Pinto permanece como um dos grandes enigmas da política brasileira. O incêndio na Assembleia Legislativa do Acre, 17 dias antes do assassinato, que destruiu documentos da CPI estadual sobre o Canal da Maternidade, e a presença de funcionários da Odebrecht no hotel reforçam as suspeitas de um crime orquestrado. Apesar das investigações, a verdade sobre quem mandou matar Edmundo e por quê continua oculta, deixando uma ferida aberta na história do Acre.

Essa tragédia, no entanto, não é um fato isolado na tumultuada história acreana. Décadas antes, em 1908, o herói da Revolução Acreana, Plácido de Castro, foi assassinado em uma emboscada traiçoeira, vítima de intrigas e disputas de poder. Em seus momentos finais, Plácido, agonizando, disse ao irmão Genesco: “Ah, meus amigos, estão manchadas de lodo e de sangue as páginas da história do Acre… tanta ocasião gloriosa para eu morrer…”. Essas palavras, carregadas de decepção e amargura, parecem ecoar como uma maldição sobre o Acre, um prenúncio de que a violência e a corrupção continuariam a manchar sua trajetória. Seria o assassinato de Edmundo Pinto, quase um século depois, um desdobramento dessa maldição lançada por Plácido? A persistência de crimes políticos não esclarecidos e a sombra de interesses obscuros sugerem que o Acre ainda carrega o peso dessa história manchada de lodo e sangue, onde a verdade permanece tão elusive quanto a justiça.

(*) Chico Araújo, advogado, jornalista e teólogo, com mais de três décadas no jornalismo. Autor do livro Quando Convivi com os Ratos (Uiclap) https://loja.uiclap.com/titulo/ua76262, agora lança Sombras do Poder - As vísceras da corrupção no Acre expostas na Operação Ptolomeu. https://loja.uiclap.com/titulo/ua93569