Chico Araújo (*)

No litoral norte de Israel, onde o mar Mediterrâneo acaricia muralhas milenares, ergue-se Akko, uma cidade que respira história e espiritualidade, conhecida em português como Acre. Com raízes que se entrelaçam na Idade do Bronze, há mais de 5.000 anos, Akko é um dos berços mais antigos da humanidade, um porto fenício que conectava o Oriente ao Ocidente, um farol de comércio e cultura que brilhou sob o domínio de gregos, romanos, cruzados e otomanos. Mencionada na Bíblia como um enclave indomado pela tribo de Aser, a cidade tornou-se, séculos depois, a capital do Reino de Jerusalém durante as Cruzadas, fortificada por Ricardo Coração de Leão e marcada pela resistência heroica contra Napoleão em 1799. Suas muralhas, túneis subterrâneos e o majestoso Hospital dos Cavaleiros, hoje Patrimônio Mundial da UNESCO, contam histórias de conquistas e resiliência, enquanto a Mesquita de Al-Jazzar e os Jardins Bahá’ís, nas proximidades, exalam uma paz que transcende fronteiras. Akko é mais que uma cidade; é um mosaico vivo de judeus, cristãos, muçulmanos e drusos, um testemunho de coexistência e harmonia. Para a fé Bahá’í, é o coração espiritual do mundo, lar do Santuário de Bahá’u’lláh, onde peregrinos encontram inspiração na visão de unidade e paz.

Do outro lado do globo, na Amazônia brasileira, o estado do Acre carrega um nome que ecoa, por coincidência ou destino, o da cidade israelense. Batizado pelo rio Acre, cujo nome é oriundo de línguas indígenas ou de um capricho cartográfico do século XIX, o Acre brasileiro não possui uma ligação espiritual direta com Akko, mas compartilha sua essência de diversidade e superação. Assim como Akko resistiu a invasões e se reinventou, o Acre brasileiro forjou sua identidade na Revolução Acreana, unindo seringueiros, indígenas e migrantes em uma luta por pertencimento. A fé Bahá’í, com sua mensagem de unidade, também floresce no Brasil, criando um tênue fio de conexão com os jardins sagrados de Akko, onde a promessa de um mundo mais justo ressoa.

Akko e o Acre, separados por oceanos, são unidos por um espírito indizível: a capacidade de reunir povos, histórias e sonhos. Akko, com suas pedras antigas banhadas pelo mar, sussurra lições de continuidade; o Acre, com suas florestas verdes e rios sinuosos, canta a força da reinvenção. Juntas, elas nos lembram que, em cada canto do mundo, a humanidade busca o mesmo: um lar onde a história, a fé e a esperança se entrelaçam, guiando-nos para um futuro de luz e união.

Do tupi-guarani “Aquiri”, que sussurra “rio verde” ou “rio dos jacarés”, o Rio Acre nasce como um fio de vida na Cordilheira dos Andes, no Peru, traçando 680 km por florestas densas, cruzando Bolívia e Brasil até se entregar ao Rio Purus, coração da Amazônia. Suas águas, navegáveis e generosas, foram desde sempre o pulsar das gentes que o chamaram de lar. Povos indígenas como Apurinã, Jaminawa e Kaxarari pescavam em suas correntezas, navegavam seus caminhos e colhiam da mata exuberante, dando ao rio um nome que ecoa sua alma selvagem. No século XIX, o Ciclo da Borracha trouxe seringueiros nordestinos, aventureiros e sonhos de riqueza, transformando o Acre numa artéria vital para o látex que movia o mundo. Mas a terra, então boliviana, fervia em tensões, até que a Revolução Acreana, liderada por Plácido de Castro 1899, e o Tratado de Petrópolis, em 1903, a fizeram brasileira, com o rio como testemunha silenciosa de lutas e conquistas. Às suas margens, Rio Branco e Cruzeiro do Sul floresceram, cidades erguidas na força do comércio e da resistência. Hoje, o Rio Acre enfrenta sombras — desmatamento, poluição, cheias que desafiam seus filhos —, mas segue sendo o espelho da identidade acriana, inspirando canções, poesias e procissões como a do Divino Espírito Santo. Lar de pirarucus, tartarugas e jacarés, ele guarda a biodiversidade de uma Amazônia viva. Mais que um rio, o Acre é um canto de resiliência, um convite à harmonia entre homem e natureza, um lembrete de que, em suas águas, correm histórias, sonhos e a promessa de um futuro onde a floresta e seus povos brilhem em unidade.

(*) Chico Araújo,  advogado, jornalista e teólogo, com mais de três décadas no jornalismo. Autor do livro “Quando Convivi com os Ratos” (Uiclap)

https://loja.uiclap.com/titulo/ua76262, agora lança Sombras do Poder- As vísceras da corrupção no Acre expostas na Operação Ptolomeu”. https://loja.uiclap.com/titulo/ua93569