Com o
Papa Francisco não foi diferente. Ele continuou a grande obra de seus
antecessores. Enfatizou a misericórdia, o diálogo inter-religioso e a atenção
aos marginalizados. Buscou uma Igreja mais próxima dos pobres e engajada em
questões sociais e ambientais
O cenário
da Igreja Católica antes da unificação italiana por Giuseppe Garibaldi era
diferente do que conhecemos hoje. Até a anexação dos Estados Pontifícios ao
Reino da Itália, a Igreja Católica não era apenas uma instituição religiosa,
mas também uma potência temporal com territórios próprios, conhecidos como Estados
Pontifícios. Esses Estados possuíam uma estrutura administrativa, leis e,
inclusive, uma força militar para sua defesa.
Pio IX, o
último monarca dos Estados Pontifícios, resistiu à anexação. Após a perda
desses territórios, especialmente com a tomada de Roma em 1870, o Papa se
declarou prisioneiro no Vaticano, marcando o fim do poder temporal direto da
Igreja. A partir desse momento, a Igreja Católica assumiu cada vez mais sua
missão espiritual, separando o seu aspecto religioso da gestão de um estado territorial.
Outro
ponto interessante a se observar é que, depois de Pio IX, a Igreja Católica
reconheceu a santidade de vários papas. Passaram pelas etapas de beatificação e
canonização: São Pio X (Papa de 1903 a 1914), canonizado em 1954; São João
XXIII (Papa de 1958 a 1963), canonizado em 2014; São Paulo VI (Papa de 1963 a
1978), canonizado em 2018 e São João Paulo II (Papa de 1978 a 2005), canonizado
em 2014. Além destes, o Papa Pio IX foi beatificado (um passo anterior à
canonização) em 2000 e o Papa João Paulo I foi beatificado em 2022.
Todos os
papas, a partir de Pio IX, também enfrentaram desafios da modernidade,
definiram dogmas (infalibilidade papal), promoveram a doutrina social da Igreja
e buscaram diálogo ecumênico. Também canonizaram santos importantes e navegaram
por conflitos mundiais, mantendo sempre a unidade eclesial. Observando o que
realizaram pela Igreja Católica, notamos a magnitude de suas obras.
Com o
Papa Francisco não foi diferente. Ele continuou a grande obra de seus
antecessores. Foi o primeiro papa latino-americano. Enfatizou a misericórdia, o
diálogo inter-religioso e a atenção aos marginalizados. Buscou uma Igreja mais
próxima dos pobres e engajada em questões sociais e ambientais, mantendo o foco
na evangelização.
Evidentemente,
por ter vindo de uma ordem criada como reação ao início do protestantismo de
Martinho Lutero, a Companhia de Jesus, fundada por Santo Inácio de Loyola,
possuía um caráter de disciplina e empenho pela espiritualidade. Inclusive,
essa ordem cultivou e levou a fé católica até o Japão, por meio de São
Francisco Xavier. O Papa Francisco, um jesuíta, trouxe muito desse espírito,
além da grande preocupação com os pobres, até porque vinha da periferia de
Buenos Aires.
Ele fez
um trabalho extraordinário, mantendo os valores eternos da Igreja, aqueles que
são imutáveis, e em tudo aquilo que diz respeito aos aspectos temporais foi,
evidentemente, um papa que se adaptou ao seu tempo e falou a linguagem que os
mais pobres gostariam de ouvir. Foi um papa santo e exerceu, como todos os seus
antecessores, que também foram santos, a caridade como deveria ser vista: com
esperança para o futuro e fé no presente.
Não sou
eclesiástico, mas apenas um católico apostólico romano. Vou à missa diariamente
há mais de 50 anos, leio sobre espiritualidade, faço meditação, rezo o terço,
como um cristão e busco a santidade no trabalho ordinário, seguindo os
ensinamentos de São José Maria Escrivá.
A Igreja
tem os valores eternos, que nunca serão modificados, da espiritualidade e do
amor ao próximo. São, pois, aqueles que constam das mensagens que Cristo nos
deixou.
Agora, é
evidente que a dimensão temporal da Igreja – ou seja, seu contato diário e
conhecimento da realidade do mundo, com suas transformações ao longo das épocas
– faz com que ela se apresente e se adapte constantemente a tudo aquilo que não
ofenda os valores eternos ensinados por Cristo.
É
importante lembrar que a cultura ocidental tem raízes profundas na Igreja
Católica. A universidade, por exemplo, representa um dos maiores legados
culturais da Igreja para o mundo.
No final
da Idade Média e início da Renascença, a maior parte das universidades foram
fundadas pela Igreja, constituindo uma contribuição cultural de valor
inestimável.
Estou
absolutamente tranquilo que os valores eternos da Igreja, como a dignidade
humana e a caridade, permanecerão imutáveis, pois assentados na certeza de um
Pai Criador do céu e da terra. Contudo, é evidente que as adaptações em sua
dimensão temporal – no conhecimento e na convivência com a realidade em
constante transformação – são um processo contínuo. O próprio Papa Francisco
demonstrou essa adaptação em seu contato com o Papa João Paulo II.
João
Paulo II modernizou a forma como o Papa se relaciona com os fiéis ao redor do
mundo. Rompendo com a tradição de permanecer no Vaticano, ele iniciou inúmeras
viagens internacionais, adaptando o conceito de "Urbi
et Orbi"para um alcance global e presencial.
Por tudo
isso, tenho a tranquilidade de que o Espírito Santo guiará a escolha de um
Santo Papa.
Em
segundo lugar, confio que os valores eternos da Igreja, ensinados pelo próprio
Cristo, Deus vivo, não serão alterados.
E, em
terceiro lugar, espero que a Igreja continue a se adaptar às realidades em
constante transformação na evolução cultural da humanidade, nos campos
tecnológico e científico, e às necessidades de sua presença no mundo. Isso tudo
sem jamais perder sua característica primordial, que é a única lição divina
dada por Cristo: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo.
Ives
Gandra da Silva Martins é professor emérito das
universidades Mackenzie, Unip, Unifieo, UniFMU, do Ciee/O Estado de São Paulo,
das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme), Superior de Guerra
(ESG) e da Magistratura do Tribunal Regional Federal – 1ª Região, professor
honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin de Porres (Peru) e
Vasili Goldis (Romênia), doutor honoris causa das Universidades de Craiova
(Romênia) e das PUCs PR e RS, catedrático da Universidade do Minho (Portugal),
presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio -SP, ex-presidente da
Academia Paulista de Letras (APL) e do Instituto dos Advogados de São Paulo
(Iasp).
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