“O Supremo, eleito por um homem só, não poderia alargar, como fez agora, sua competência para estender o foro privilegiado, até exteriorizando uma visão política bem acentuada, a fim de incluir pessoas que deveriam ser julgadas pelo juiz natural”.
A mudança de jurisdição do Supremo Tribunal
Federal, no que diz respeito ao foro privilegiado, é tema deste artigo. Vale lembrar que o foro privilegiado foi
criado para hipóteses bem definidas na Constituição. A razão principal foi a de
não permitir que uma autoridade, no exercício de suas funções, pudesse ser, por
exemplo, destituída de suas atividades por um juiz recém-concursado. Tornou-se
uma garantia, portanto, para que os representantes do povo não pudessem ser
afastados por decisão de um recém-magistrado de primeira instância.
Sempre
defendeu-se no país, que o limite do foro privilegiado deveria ser restrito e
sujeito exclusivamente ao que está na Constituição e às hipóteses lá
apresentadas. Em 2018, o Supremo reiterou essa jurisprudência, afirmando que,
como intérprete da Constituição, o foro privilegiado só poderia ser aquele que
os constituintes inseriram na nossa Carta Magna.
Em
recente decisão, contudo, o Supremo Tribunal Federal alargou essa hipótese, não
por definição dos constituintes, mas por interpretação extensiva da Corte,
mudando sua própria jurisprudência de 2018 para incluir pessoas que não
deveriam lá estar, contrariando aqueles que escreveram a Lei Suprema e que
foram eleitos pelo povo.
Sempre
reitero minha admiração pelos Ministros do Supremo, como juristas, e muitas
vezes me constrange ter que discordar, mas, nesse ponto, preciso divergir: quem
escreve e elabora a Constituição não é o Supremo Tribunal Federal, e sim
aqueles que foram eleitos pelo povo, originalmente, para elaborá-la, bem como
constituintes derivados por meio de emendas à Lei Maior.
No
momento que o Supremo Tribunal Federal criou hipótese que não consta da
Constituição, é evidente que legislou — não como legislador ordinário, nem como
legislador complementar, mas como legislador constituinte.
Nos
Estados Unidos, que têm a mesma Constituição desde 1787, o saudoso “justice” da
Suprema Corte, Antonin Scalia — grande figura e bom amigo —, sempre defendeu o
originalismo constitucional, que interpreta a Constituição com base no
entendimento original do texto do momento de sua adoção. A Suprema Corte só
pode decidir sobre o que os constituintes escreveram e incorporaram na
Constituição, pois reflete o desejo do povo.
O
Supremo, eleito por um homem só, com todo o respeito que tenho por todos os
Ministros, não poderia alargar, como fez agora, sua competência para estender o
foro privilegiado, até exteriorizando uma visão política bem acentuada, a fim
de incluir pessoas que deveriam ser julgadas pelo juiz natural.
De
rigor, o Supremo é o intérprete da Constituição e não um constituinte derivado.
Como participei de audiências públicas e mantive contato permanente com Ulysses
Guimarães e Bernardo Cabral, com quem tenho inúmeros livros escritos e que foi
o relator da Constituição, permito-me, mais uma vez, com o devido respeito a
todos os magistrados da Suprema Corte, divergir.
Ives
Gandra da Silva Martins é
professor emérito das universidades Mackenzie, Unip, Unifieo, UniFMU, do Ciee/O
Estado de São Paulo, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme),
Superior de Guerra (ESG) e da Magistratura do Tribunal Regional Federal – 1ª
Região, professor honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin
de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia), doutor honoris causa das
Universidades de Craiova (Romênia) e das PUCs PR e RS, catedrático da
Universidade do Minho (Portugal), presidente do Conselho Superior de Direito da
Fecomercio -SP, ex-presidente da Academia Paulista de Letras (APL) e do
Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp).
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