O Qatar e as pérolas que a Fifa finge desconhecer

 


Por Domingos Sávio

Conhecido até pouco tempo atrás por sua produção de pérolas e indústria marinha, o país que sedia a Copa, o Qatar,  não surpreendeu o mundo apenas por subitamente  proibir o consumo de cerveja ao redor dos estádios de futebol. Na realidade, as pérolas da história do Qatar são  produzidas em nível bem mais profundo e faria tremer até mesmo a Europa medieval (incluindo até mesmo a    conhecida Inquisição e seu festival de horrores).

 Na realidade, o país da Copa traz em seu currículo- segundo amplamente denunciado pela imprensa internacional- a nada invejável fama de violador dos direitos humanos (incluindo trabalhistas) e perseguidor de qualquer movimento oposicionista que se atreva a discordar de sua petromonarquia absolutista que insiste em pousar à comunidade internacional como constitucional e legalista. Sem falar da submissão desumana que a mulher local é submetida ou á condenação oficial  à morte da comunidade LGBTQI+. Aliás, neste país persiste, ainda que não oficial, o Instituto da Kafala, que determina que a troca de emprego só é possível (pasmem) quando o patrão atual assina uma recomendação autorizando a mudança.

Só para lembrar, a Anistia Internacional solicitou à Fifa uma indenização de pelo menos US$ 440 milhões, aos trabalhadores estrangeiros que passaram por violações trabalhistas no Qatar na construção dos prédios suntuosos que acolherão os jogadores de futebol. Estima-se, conforme matéria publicada pelo repórter investigativo Yan Boechat, da Band, pelo menos 6 mil nepaleses morreram em virtude de condições subumanas de trabalho para erguer os prédios que hoje  encantam o mundo.

Sacrifício cruel (perdão pela possível redundância) de pobres homens que se aventuraram no Qatar em busca da melhora de condições de vida, a sonhada recompensa que  viesse assegurar o envio de dinheiro para os seus que ficaram penando no país de origem.

Não precisa ser nenhum especialista para afirmar - sem medo de erro - que trata-se de um levantamento eivado pela subnotificação já que se baseia em denúncias  de famílias miseráveis(e ignorantes) do distante Nepal do Everest. sem esquecer a mão-de-obra barata- e esquecida- vinda da Índia, Paquistão, Bangladesh e arredores, cujas vítimas  (muitas fatais ou que carregam danos irreparáveis) devem se somar a milhares e certamente serão esquecidas na primeira celebração  de gol vindo de atletas, via de regra, muito pouco inclinados a preocupações sociais  desde que seus polpudos salários (de preferência em dólares ou euros) sejam depositados religiosamente  em seguros paraísos fiscais ,longe de qualquer sanha tributária.

A tudo isto, o mundo em geral - e em particular a “Pátria de chuteiras”- assiste a tudo em solene indiferença, numa mudez que assusta e entristece. Uma maioria estranhamente silenciosa, muitas vezes refestelada em confortáveis  poltronas ou enlouquecidos nas ruas, ávidos pela sensação de pertencimento de mergulhar na multidão em abraços frenéticos ao ver e rede adversária balançar.

O homem e sua humanidade

Felizmente a raça humana conta com algumas exceções que ressaltam o mais espontâneo e valioso de  sua humanidade, em lugar da aceitação(e cumplicidade) das atrocidades cometidas. É o caso da Igreja alemã(isto mesmo, com I maiúsculo) que promove uma campanha, relançada pela religiosa beneditina e ativista Irmã Mary John Mananzan (uma respeitada educadora e teóloga) que lembra que  a violência também atinge as colaboradoras domésticas, exploradas ou abusadas por seus patrões. Por isto mesmo ela lançou, com o aval da Igreja alemã, a campanha “Cartão vermelho ao Qatar por falta de respeito aos direitos humanos e exploração de trabalhadores migrante”. Nada mais oportuno para um evento realizado num país polêmico e controverso, como afirmam os promotores da campanha.

Além disto, ressalte-se, muitos   países europeus e seleções vão levar em frente   protestos e boicotes à Copa do Mundo no país asiático. Segundo o colunista Jamil Chade, a Hummel, fornecedora dos materiais esportivos, disse que a seleção da Dinamarca vai fazer uso camisetas em referência  às violações de direitos humanos no país asiático. Ufa, sinais de resistência e alerta vindos de legítimos representantes da civilização ocidental e livre que  vem a público denunciar os desmandos . Aos que insistem em desconhecer e ignorar todas estas evidências  como o presidente da Fifa, Gianni Fantino, que acusou a Europa de descriminar o Qatar com tantas denúncias, digo a plenos pulmões: VAI TE CATAR.

* Domingos Sávio, jornalista (MTB/AC nº 161)

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