A Maior Deflação Registrada na História do Brasil

 

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Por Prof. Ricardo Caldas*

a) História 
Embora seja difícil estabelecer um marco real da deflação no Brasil, em função da falta de indicadores e índices de inflação oficiais, pode-se considerar o período da Grande Depressão nos Estados Unidos (EUA), como a maior da queda de preços no Brasil.  

b) Índices de preços
A Fundação Getúlio Vargas (FGV) foi a pioneira na pesquisa e divulgação de índices de preços, começando com a publicação do Índice Geral de Preços (IGP) em 1947. Por ter sido o primeiro índice, o IGP acabou se popularizando no Brasil. Os índices de preços oficiais no Brasil, no entanto, surgem apenas nos anos 70. O IBGE passou a ser o órgão responsável pela produção dos índices, substituindo o Ministério do Trabalho. O primeiro índice de preços foi criado em março de 1979 pelo IBGE e foi denominado de INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor). Em seguida, veio o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), em janeiro de 1980. Ele atualmente é o índice oficial de inflação no Brasil.

c) Antecedentes
Desde a Crise do Café, nos anos 30, a economia brasileira tem passado mais por processos inflacionários que deflacionários. Com a chegada do Plano Real, em 1994, a moeda brasileira se estabilizou e os processos de deflação se tornaram mais frequentes que processos inflacionários. O recorde registrado de baixa do IGP-M, em termos anuais,  foi em 2009 (após a crise imobiliária nos EUA, quando os preços caíram em -1,72% naquele ano (2009). 

d) Situação atual
Sem sombra de dúvidas, o mundo passa por um momento de deflação. Grécia (23%), Itália (10%) e Chipre (8%) têm visto preços residenciais (de aluguéis) caírem. Preços domésticos têm se mantido em níveis reduzidos na China, Japão, Arábia Saudita, Suíça e Indonésia. Excluindo alimentos e energia, os principais propulsores da onda de inflação de 2021 e do primeiro semestre de 2022, aparecem pressões deflacionárias na França, Itália, Alemanha, Reino Unido e mesmo nos EUA. 

O Brasil segue essa mesma tendência deflacionária. Em termos mensais ou trimestrais, há argumentos para se considerar que o momento atual que estamos vivenciando é a maior deflação da nossa história econômica. 

Com efeito, medido pelo IPCA (cheio), a inflação caiu em julho (0,68%) e em agosto (0,36%), e em setembro, medida pelo IPCA-15, em (0,37%).  

A deflação de julho (0,68%) é a menor taxa da série histórica do IPCA, iniciada em janeiro de 1980. O mesmo pode ser dito em relação ao IPCA-E (Série Especial, trimestral). O IPCA-E (trimestral) de julho a setembro de 2022, foi negativo (0,97%) e é o mais intenso da série histórica, mesmo se considerarmos a deflação do terceiro trimestre de 1998, quando houve deflação em julho, agosto e setembro, de (0,11%), (0,37%) e (0,44%), respectivamente, totalizando o IPCA-E em (0,92%). 

O mesmo fenômeno deflacionário ocorreu em 1998 com o IPCA nos mesmos meses (julho, agosto e setembro), com deflação de (0,12%), (0,51%) e (0,22%), totalizando uma deflação no trimestre de cerca de (0,85%), inferior à atual (0,97%). 

Pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), a situação não é diferente. O INPC, também do IBGE, teve queda de (0,60%) em julho, a menor variação registrada desde o início da série histórica, iniciada em abril de 1979. Em agosto, o INPC caiu (0,31%). 

O mês que mais se compararia ao resultado do IPCA de julho de 2022 até então seria em agosto de 1998. Como se sabe, a mínima histórica do IPCA havia sido em agosto de 1998 (0,51%).  Agora passa a ser a de julho de 2022, com (0,68%). Nem durante a COVID, quando os preços declinaram (0,31%) devido à pandemia, os preços caíram tanto como em julho de 2022, que passa a ser o novo recorde de toda a série histórica.

No entanto, apesar dos preços, medidos pelo IPCA terem caído nessa magnitude em 1998 (0,51%), a deflação do atual 3º. trimestre (julho/agosto/setembro) de 2022 é a mais profunda por relatar dois meses consecutivos de deflação (0,68% em julho e 0,36% em agosto) e um de desaceleração  (0,13% em julho), e com potencial para atingir igualmente o mês de setembro de 2022 (IPCA cheio), ainda que o IPCA -15 já indique esse caminho. 

De acordo com o IPCA, a taxa de julho (-0,68%) foi a menor registrada para esse mês desde que a série histórica começou a ser publicada em janeiro de 1980 e contribuiu decisivamente para a atual deflação, a maior deflação trimestral da história. 

Apesar de não ser a primeira vez que o Brasil registra deflação com o Plano Real, esta deflação certamente foi a mais intensa. 
 
Independentemente dos resultados que vierem a ser verificados ao final de setembro de 2022 (IPCA cheio), o terceiro trimestre de 2022, baseado no IPCA-15 passará para a história como a maior deflação trimestral, confirmada pelo IPCA-E, de (0,97%) que o Brasil jamais registrou.  

*Professor Ricardo Caldas - O professor doutor Ricardo Wahrendorff Caldas, possui graduação em Economia e mestrado em Ciência Política pela Universidade de Brasília. Em 1994 obteve o Ph.D. em Relações Internacionais pela University of Kent at Canterbury.


1* Grande crise da economia dos Estados Unidos, também conhecida por “A Grand Crise” ou “ A Crise de 1929”, ocasionada por uma Guerra protecionista entre os EUA e a Europa que acabou levando à quebra (o “crack”) da Bolsa de Nova Iorque. Estima-se que a metade das empresas quebraram e o desemprego atingiu cerca de 30% dos trabalhadores.   
2* Pelo fato de os EUA ser o principal destino das exportações brasileiras, a redução das compras pelos consumidores americanos (que estavam, em grande parte, desempregados), levou a uma queda substancial dos preços do café no Brasil. O efeito só não foi maior porque o governo Vargas entrou comprando café dos produtores e queimando-o, gerando a famosa “queima do café”, o que permitiu uma rápida estabilização da economia brasileira. Segundo a Revista Cafeicultura, “As exportações do produto, que chegaram a US$ 445 milhões em 1929, caíram para US$ 180 milhões em 1930. A cotação da saca no mercado internacional, caiu quase 90% em um ano.” In https://revistacafeicultura.com.br/?mat=27265
3* O IGP é calculado a partir de uma cesta de índices: IPA (Índice de Preços ao Produtor Amplo, com peso de 60%) IPC (Índice de Preços ao Consumidor, peso de 30%) INCC (Índice Nacional de Custos da Construção, peso de 10%). O IGP constitui uma família de índices, possuindo ainda o Índice Geral de Preços - Mercado (o IGP-M), o Índice Geral de Preços- Disponibilidade Interna (o IGP-DI) e o Índice Geral de Preços – 10 (IGP-10). A única diferença entre eles é o período da coleta: o dia 10 (o IGP-10), o dia 20 (o IGP-M) e até  dia 30 (o IGP-DI). 
4*Vide:
5*Desde que o Plano Real foi lançado, houve 15 processos de deflação no Brasil.

 

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