A competição pelo voto no Acre: duas décadas de hegemonia da esquerda e a guinada da direta em 2018

 



Luci Maria Teston, Ermício Sena, Manoel Valdemiro F. Rocha e Rosa Indira Alves

Para entender a disputa eleitoral no Acre é importante regressar até a década de 1920. Neste período, com a centralização do governo, a elite oligárquica extrativista, representada pelos seringalistas, foi posta em plano secundário no contexto federativo, instituindo-se, assim, o agravamento da instabilidade política presente nos primeiros anos do Território do Acre.

É a partir dos anos 1930, com a realização das primeiras eleições no Território, que são eleitos os representantes do Acre no Congresso Nacional. Em 1945, com a redemocratização e a formação dos partidos nacionais, o Acre passa a ter uma organização partidária estadual. Em 1962, o PTB se une à antiga UDN contra o PSD e vence a primeira eleição ao governo do recém-criado estado do Acre.

No fim da década de 1970, com a decadência dos seringais, os seringueiros do Acre protagonizaram resistências ao projeto pecuário e madeireiro, que ficaram conhecidas como “empates” e nas quais havia a atuação de militantes em partidos à esquerda do espectro ideológico em apoio aos seringueiros.

O estado do Acre, portanto, encontrava-se em conflito de classes. De um lado, os seringueiros, dispostos a resistir em suas terras e, no outro, empresários do Centro-Sul que haviam comprado as terras dos antigos seringalistas falidos com a finalidade de implantar a pecuária extensiva, ou mesmo, por especulação fundiária. A venda de terras foi impulsionada por incentivos fiscais e forte campanha publicitária promovida pelo governo federal no Centro-Sul do país, além da queda do monopólio estatal da borracha no estado.

É nessa nova realidade que ocorre a estruturação de partidos identificados com os movimentos sociais. Nas eleições municipais de 1988 são eleitos seis vereadores ideologicamente vinculados a partidos de esquerda, dentre eles, Marina Silva, que recebeu o maior número de votos na capital, Rio Branco. No pleito majoritário ocorre a quebra do monopólio político-eleitoral do PMDB com a vitória do PDS.

No plano nacional, o ano de 1989 foi marcado pelo notável segundo turno entre Lula e Collor, consolidando o PT como um partido competitivo eleitoralmente. O segundo turno antepondo dois adversários que expressavam a novidade na política brasileira estimulou, no Acre, o debate por algo similar para a disputa ao governo na eleição de 1990.

Foi nesse contexto que surgiu o nome de Jorge Viana para a disputa ao governo do Estado, a partir de uma política de aliança iniciada na eleição de 1988. Esta aliança foi ampliada e concretizada a partir da união de partidos à esquerda do espectro ideológico com atuação no estado, que ficou conhecida como Frente Popular do Acre (FPA) congregando, à época, PT, PCB, PC do B, PDT e PV.

Essa Frente se contrapôs a uma coligação de direita, denominada Renovação Democrática do Acre (RDA), constituída, à época, pelos partidos PL, PTB, PDC, PTR e PRN, na disputa pelo governo do estado.

Nas eleições de 1998 a FPA se consolida como força política-eleitoral no Acre, finalizando a hegemonia eleitoral até então do PMDB e a bipolarização político-eleitoral entre PMDB e PDS no estado. À despeito da questão ideológica, vale destacar a aliança realizada, à época, entre PT e PSDB na condição de candidatos a governador e vice-governador, respectivamente. Esta aliança foi fundamental para a vitória eleitoral e posterior apoio por parte do governo federal.

Durante os 20 anos seguintes (1999 a 2018) a FPA, encabeçada pelo PT, governou o estado do Acre. Até as eleições de 2018 quando, em decorrência da perda de fôlego eleitoral e na esteira da onda conservadora, inicia-se o predomínio eleitoral de partidos de direita, a partir da vitória eleitoral de Gladson Cameli (PP) ao governo do Estado.

Disputas para cargos majoritários

 

De acordo com o IBGE, a população estimada para o Acre é de 906.876 habitantes. Segundo o TSE há atualmente no Acre 556.119 eleitores, correspondendo a 61% da população total do Estado. A capital, Rio Branco, concentra 46% do eleitorado do Estado, com 260.308 eleitores.

Na votação por espectro ideológico nas eleições acreanas para cargos majoritários, os partidos de esquerda, apesar de obterem sucesso nas eleições para governador durante 20 anos, não obtiveram o mesmo desempenho eleitoral quando considerada a eleição para presidente (gráfico 1).

Em apenas duas oportunidades (2002 e 2014), a esquerda suplantou os adversários na disputa para a presidência. Cabe ressaltar que o Acre foi o estado em que o presidente Jair Bolsonaro teve seu melhor desempenho no 2º turno da eleição de 2018, obtendo 77% dos votos válidos.

Gráfico 1 – Votos válidos (1º turno) à Presidência da República no Acre (2002-2018)
(Fonte: Tribunal Superior Eleitoral. Elaboração própria)

Apesar do PT ter candidato majoritário tanto à Presidência quanto ao Governo do Estado, os votos não seguiram o mesmo espectro ideológico. A exceção são a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002 e a reeleição de Dilma Rousseff em 2014, nas quais os candidatos eleitos obtiveram maior percentual de votos no Estado.

Nas eleições para governador, os candidatos situados em frentes compostas por partidos de esquerda e liderados pelo PT obtiveram sucesso eleitoral nas eleições até 2014. Das eleições de 2006 até o último pleito, a esquerda, gradativamente, perdeu envergadura eleitoral nas disputas, culminando com a eleição, ainda em primeiro turno, do governador atual. Em 2018, a hegemonia de 20 anos foi suplantada pela vitória de um candidato situado em legenda de direita, a partir de uma frente liderada pelo PP (gráfico 2).

Gráfico 2 – Votos válidos (1º turno) para Governador do Acre (2002-2018)
(Fonte: Tribunal Superior Eleitoral. Elaboração própria)

Em relação ao espectro ideológico nas eleições para o Senado, no período analisado, a esquerda monopolizou as cadeiras até as eleições de 2010, quando perde uma vaga para o atual Senador Sérgio Petecão, um ex-aliado, eleito pelo PMN. Em 2018, houve a reeleição dos senadores Sérgio Petecão, eleito agora pelo PSD, e de Márcio Bittar, eleito pelo MDB (gráfico 3).

Gráfico 3 – Votos válidos ao Senado no Acre (2002-2018)
(Fonte: Tribunal Superior Eleitoral. Elaboração própria)

Disputas para cargos proporcionais

Nas eleições proporcionais para deputado federal percebe-se certa hegemonia de legendas ideologicamente posicionadas à esquerda até 2014. Entretanto, identifica-se um movimento marcado pelo declínio gradativo de força eleitoral em cada eleição, culminando com a ascensão de legendas ideologicamente vinculadas a partidos de direita em 2018 (gráfico 4).


Gráfico 4 – Votos válidos para Deputado Federal no Acre (2002-2018)
(Fonte: Tribunal Superior Eleitoral. Elaboração própria)

Em 2014, o PT conquista três das oito cadeiras que o Acre tem direito na Câmara Federal. O PMDB elege dois representantes, sendo que PSB, PSDB e PRB elegem um deputado cada.

Já em 2018, há maior fragmentação partidária, com PC do B, PRB[1], PDT, Solidariedade, PSDB e DEM conquistando uma vaga cada, sendo o MDB a legenda que conquistou duas cadeiras no legislativo federal (gráfico 4).

Nas eleições para deputado estadual verifica-se algo similar ao observado no plano federal nas últimas cinco eleições. Ou seja, à medida que os governos estaduais eleitos no período e vinculados a partidos à esquerda do espectro ideológico vão perdendo força em termos de voto, isto reflete no desempenho dos candidatos a deputado vinculados aos partidos à esquerda nas eleições (gráfico 5).

Gráfico 5 – Votos válidos para Deputado Estadual no Acre (2002-2018)
(Fonte: Tribunal Superior Eleitoral. Elaboração própria)

 

Os candidatos de legendas à direita do espectro ideológico, a exemplo do MDB, PP e DEM obtiveram sucesso eleitoral e conquistam a maioria das cadeiras na Assembleia Legislativa. Por sua vez, o partido do presidente na eleição de 2018 (PSL) conquistou apenas uma vaga no legislativo estadual.

Considerações finais

No quadro das disputas eleitorais, os partidos à esquerda do espectro ideológico, apesar de obterem sucesso nas eleições para governador do Estado durante 20 anos, não alcançaram o mesmo desempenho eleitoral quando considerada a eleição para presidente, ou seja, não houve “voto casado”. Em apenas duas oportunidades (2002 e 2014) a esquerda suplantou os adversários na disputa para a presidência. Isto sinaliza que o voto não tem correspondência ideológica nas eleições majoritárias no Acre.

Pode-se dizer que, de 2002 a 2018, o “Lulismo”, expressão utilizada por André Singer para se referir ao fenômeno político de esquerda ocorrido no Brasil em torno do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não teve força para acompanhar as sucessivas vitórias dos governos petistas, conduzidas por lideranças estaduais, a exemplo dos irmãos Jorge e Tião Viana.

Outro elemento a ser destacado durante o período descrito refere-se à lealdade ou volatilidade do voto para Senador, Deputado Federal e Deputado Estadual. Pode-se supor que a capacidade e atuação do Executivo eleva as chances de eleição de suas chapas majoritárias e proporcionais.

No pleito proporcional das últimas eleições observa-se uma tendência gradual de queda de votos depositados nos partidos posicionados no campo da esquerda, culminando com a ascensão de legendas ideologicamente posicionadas à direita, com perspectiva de manutenção deste cenário nas eleições futuras.

Com a anulação dos votos do deputado federal Manuel Marcos, do PRB, em 2020, assumiu a vaga Leo de Brito, do PT. 

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