Elisa Leão*
Temos registros de muitas guerras que já se passaram
pelo mundo. Por muitas vezes, esses conflitos armados iniciam pela falta de
comunicação, por interesses políticos, interesses territoriais, por rivalidades
étnicas ou divergências religiosas. Até mesmo por comportamentos egoístas,
autoritários e intransigentes. Personalidades doentias que por detrás de
carreiras e poder, escondem-se crianças mimadas que não tiveram um
desenvolvimento de acordo com um padrão de normalidade. Por resultado disso,
conflitos podem acontecer. Divergências familiares, confrontos com colegas,
oposições sociais, conflitos armados.
Estruturas físicas adultas, comandadas por mentes
patologicamente infantis. O que se ganha entrando em conflitos armados, que por
muitas vezes, permanecem durante anos, se não dessa forma, os seus resultados
podem ser vistos por décadas.
Território?
Raiva?
Razão?
Ou comportamento egoísta? Preencher vazios internos?
Falta de autoconfiança camuflada em atitudes autoritárias e violentas? Estamos
vivendo um grande e surreal conflito armado! Nem parece que já passamos por
tanto crescimento econômico, cultural, até globalização... Pra que? Em pleno
século XXI um confronto tipo vale tudo para se proteger? Atacar é a melhor
defesa? Ainda?
E as metodologias de negociação? E os grandes
treinamentos que ensinam sobre a arte de falar, de ouvir, como ensina o método
Harvard que a melhor forma de negociar é aquela que todos ganham. Isso não
conta? Pra quem não aprenderam o olhar empático, não.
Para aqueles que não sabem dialogar e só ganhar, não
adianta. E as consequências que ficam depois de um conflito armado? Vidas
perdidas de formas trágicas impactando famílias e estruturas de instituições
com consequências devastadoras no presente e futuro de quem sobrevive.
Os adultos precisando refazer histórias inteiras.
Reconstruir lugares onde morar,conquistar a própria dignidade e identidade.
Consequências físicas, psicológicas, financeiras. Segundo a Organização das
Nações Unidas (ONU), 78 crianças foram mortas e 100 ficaram feridas desde o
final de fevereiro, mas com certeza esses números já estão muito maiores nesse
momento.
Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância
(Unicef), um milhão de crianças já fugiram da Ucrânia para países vizinhos.
Essas crianças, ficam com os mesmos impactos dos adultos, mas com muitas
variantes específicas. Desdobramentos injustos, já que essas estão em momento
de construção de personalidade, de formação de um corpo físico que precisa de
segurança, boa alimentação, proteção.
O estresse pós traumático, a depressão, a ansiedade
ficam nesses sobreviventes que tiveram suas vidas totalmente devastadas e o
futuro modificado brutalmente. As consequências da guerra para essas crianças
são inúmeras e dificilmente pode-se prever todas.
Tantas perdas... Tantas consequências advindas de
conflitos que se transformaram em confrontos armados por território, na
verdade, por necessidade de proteção.
Que ironia.
Consequência.
Alguém que, sabe o que é a angústia de ter um pai
que lutou na guerra e esse voltar pra casa gravemente ferido. Que sabe o
sofrimento de ter a própria Mãe ferida e inclusive considerada morta em função
da guerra e depois descoberta viva pelo esposo. Vladimir Putim vivenciou tudo
isso, através de seus pais, simples operários que passaram por situações e
consequências da guerra.
Putim conheceu um futuro depois das tragédias que
chegaram com a Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945). Provavelmente, cresceu
vendo os resultados que 6 anos de conflito armado tinham deixado. Sabia bem que
soldados poderiam perder a vida, perder partes do corpo e padecer com estresse
pós traumático pelo resto da vida. Seu Pai foi um herói de guerra. Por debaixo
de uma aparência inabalável, Putim, viveu efeitos do confronto em sua vida que
somadas as predisposições pessoais podem ter suscitado formas de enfrentamento
com distúrbios patológicos.
No livro escrito pelo jornalista russo-americana
Masha Gessen 'O Homem Sem Rosto: A Ascensão Improvável de Vladimir Putin' ele
relata sobre a história desse homem misterioso. Quando criança, conheceu uma
realidade de superproteção. Seus Pais não queriam perder o único filho e já
sabiam a dor da perda pelos outros dois filhos mais velhos que morreram antes
do nascimento de Putim. Em função desse tratamento, Vladimir Putim cresceu demonstrando
comportamentos de uma criança mimada.
Não suportava frustração, era agressivo puxava
cabelo, mordia aqueles que se atrevessem a contradizê-lo. Assim que graduou-se
em direito, ingressou no Comitê segurança Nacional, a KGB (Serviço secreto a
União Soviética). Um trabalho próximo a espionagem, a desconfianças constantes,
ao mesmo tempo que, ilusoriamente, um trabalho de guarda, de tutela. Traidores
que poderiam fingir serem álibes.
Que vida?
Essa criança que viu seus pais sofrerem os efeitos
de algo tão nocivo quanto uma guerra, poderia ter escolhido outro caminho.
Todos temos escolhas, embora essas sejam mais complexas para aqueles com
psicopatologias severas. Nem sempre conseguem caminhar por lados saudáveis da
mente. Mas, Putim, empenhou-se ao longo de sua vida e mais do que nunca, seu
presente espelha uma busca pelas seguranças a todo custo. Parecendo até uma
extensão do mundo mimado de uma criança que teve excessos que podem ter
favorecido faltas. Falta de empatia, de respeito, de humildade, de consideração,
de honestidade.
Faltas que impõem cruelmente faltas para tantos.
Putim impõe consequências de guerra para milhares de
crianças, a uma nação e para o mundo inteiro. Consequências de uma guerra,
realidade da guerra que deixa outras consequências de guerra. A resiliência
será necessária. Perceber que existem possibilidades em meio ao caos e que a
vida continua. Difícil... Mas, é o que essas crianças poderão vivenciar. Muitas
conseguirão isso, infelizmente muitas outras não. As que conseguirão terão apoio
para fazerem essa transposição de sentimento e forma de enxergar as situações
trágicas da vida. Já outras terão as próprias facilidades pessoais e
possibilidades já
aprendidas para dar continuidade, fazendo germinar
dentro de si sementes plantadas pelos pais e adultos que um fizeram parte de
suas vidas.
Um futuro incerto, mas que daqui a alguns anos
veremos suas consequências, como um acompanhamento longitudinal ano a ano, de
como essas vítimas refizeram suas histórias. As crianças que estão vivendo essa
guerra e aquelas que viveram outras, por muitas vezes se veem sozinhas
caminhando para nem sabem onde. Crianças que ficam sem famílias, e precisam
continuarem vivas, só elas sabem como. Sozinhas!
As notícias apresentam que essas crianças são
direcionadas por adultos íntegros a abrigos e serão cuidadas e encaminhadas a
lugares seguros. Mas e aquelas que são observadas e direcionadas por indivíduos
que praticam tráfico de crianças? E aquelas que tiveram a sorte de serem
direcionadas a abrigos “seguros” e convivem diariamente com a sensação de
estarem sozinhas, sem a proteção dos seus cuidadores, sem a companhia dos seus
irmãos? E aqueles sons de tiros, bombas e gritos, que devem ser ensurdecedores
e permanecem em suas mentes.
*Elisa Leão é
Psicóloga Clínica, doutora em psicologia, professora, escritora e palestrante.