Por
Edinei Muniz
De
regra, a opção e a definição da simpatia do sujeito por esse ou aquele clube de
futebol ocorre, quase sempre, motivado por fatos históricos envolvendo o clube
em questão, como sequência de grandes conquistas ou por influência de
familiares e/ou pessoas próximas, normalmente, queridas.
No
meu caso, foram as três coisas. E muitas outras coisas, as quais guardo com
carinho no lugar reservado às memórias mais alegres da minha existência.
Meu
batismo de paixão pelo Mengão se deu entre os anos de 1980, 1981 e 1982. Contou
com a participação de Zico, as vitórias majestosas do Flamengo no período e
também a forte influência dos atletas, equipe técnica , dirigentes e torcedores
do América Futebol Clube, o time de futebol mais tradicional de Xapuri de todos
os tempos.
Tive
a sorte de inaugurar minha passagem por este mundo em meio a uma espécie de
sucursal da Nação Rubro-Negra em solo xapuriense e ter no estádio de futebol da
cidade a extensão do terreiro lá de casa.
Morávamos
nas proximidades e quase sempre, no final da tarde, lá estávamos brincando de
imitar os craques do Flamengo com nossas bolas dentes de leite. Eu era o Zico,
depois da febre, claro.
Naquela
época, nem todos tinham aparelhos de TV em casa. Elas eram raras e disputadas,
e o pessoal das redondezas, normalmente, aglomerava-se na sala da minha
queridíssima Dona Percília, mãe do Éden Barros, hoje Policial Federal,
ex-craque do América, e que só não foi parar em clube grande porque teve a
infelicidade de uma contusão séria no joelho. Dizem até que estava de malas
prontas para jogar no Kosmos, dos Estados Unidos. Era o nosso Gabigol.
O
cara era bom, e eu, que nunca joguei nada na linha, morria de inveja e me
contentava disputando algum destaque no gol tentando desbancar o Badaró
(repórter), que também foi um grande goleiro.
O
Eden Barros só não é um irmão que nunca tive pq esse irmão já tenho. Mas, tido
pelo meu falecido pai desde sempre como filho - sim, meu velho o amava como
amava a todos nós - o tenho como um irmão, apesar da pontinha de ciúmes que o
maior craque do América daquele tempo sempre provocou, com certeza, sem
querer.
A
Dona Percília, vizinha da casa ao lado e mãe do Eden, tem outros filhos, todos,
flamenguistas. É mãe do Zeca, flamenguista fanático (precisava ser medicado nos
jogos daquele Flamengo do início dos anos 80), do Toreba, pai do amigão Carpé,
do Zil (meu padrinho), e mãezona de todos da rua.
A
Dona Percília foi quem me iniciou no mundo do trabalho. Vendi refresco de
saquinho (sacolé) para ela durante alguns anos nos jogos do Estádio Góis de
Castro. Pessoa adorável, de um senso de humor incrivelmente agradável, recebia
todos como se fossem de casa e só reclamava das conversas paralelas durante a
novela das sete.
As
interrupções só eram permitidas se fosse diante da frase clássica daquele
gostoso e inesquecível ambiente: "Dona Percília, pegue um refresco de
groselha para mim!".
A
sala da Dona Percília era uma espécie de reduto aconchegante dos sem TVs e as
programações mais disputadas eram o Jornal Nacional, a Novela das Sete e os
videotapes com os golaços do Zico, que naquela época, chegavam nos ônibus
da antiga Viação Lameira, de nome bem sugestivo para a realidade da BR-317 e
seus infindáveis atoleiros, que só deixaram de existir por obra do ex-governador
Orleir Cameli, tio do amigo Gledson Cameli, atual governador. Orleir encerrou a
crise dos atoleiros da BR-317. Grande feito!
Em
meio a tal modo provinciano de viver na Xapuri daquele tempo, a cidade ficava
naquela aflição à espera da fita com a novela e o Jornal Nacional, que seriam
retransmitidos tão logo o ônibus chegasse da aventura diária pela BR-317, já
que não havia retransmissão direta naquele tempo .
Quando
o ônibus atolava, a cidade parava e curtia a ansiedade pelos novos capítulos e,
quando o atolamento impedia a chegada à noite, o jeito era contentar-se com os
episódios repetidos do Daniel Bonie e do Rim Tim Tim, que de tão conhecidos,
todos já sabiam de cor e salteado a fala dos personagens.
A
vantagem, quando o ônibus atolava, era que no dia seguinte assistíamos dois
capítulos da novela. E era aquela festa. E, aos domingos, no Fantástico, ao
invés do cavalinho do Flamengo e o aê Shimit, mostra logo essa classificação, a
graça era a zebrinha: Flamengo e Vasco, coluna 1. Mengão na
fita!
A
sala de exibição televisiva pública da casa da Dona Percília (quase uma segunda
mãe pra mim) era disputada. Quem quisesse uma boa acomodação no sofá, que chegasse
cedo. E tinha que tirar as sandálias e fazer silêncio. Conversas só eram
permitidas durante os comerciais. Ninguém tinha cadeira reservada. A regra era
simples: foi ao ar, perdeu o lugar. Os lugares na janela também eram
concorridos. Todos articulavam-se como podiam para desfrutar da imagem em preto
e branco da moderníssima Telefunken da cativante Dona Percília, amiga de todos,
queridíssima.
Pois
foi na frente da Telefunken da Dona Percília, cercado pelo fanatismo gostoso da
galera do América Futebol Clube, quase todos flamenguistas, que me encantei com
os dribles mágicos e os golaços de Zico, para mim, o melhor jogador de futebol
que já vi jogar.
Meu
coração, claro, já era flamenguista e começaria a bater por ele em qualquer
outro tempo e lugar da história. Mas Deus, caprichosamente, e para a minha
felicidade maior, quis que fosse ali, naquele pedaço da Rua Coronel Brandão,
naquele que era o território de honra da Nação Rubro- Negra em solo xapuriense
e reduto do América, o mais querido e mais tradicional clube de futebol da
cidade.
Tenho
ou não tenho motivos de sobra para ser Flamengo até morrer? Saudades! Gostosa
saudade!
Se
não for fanático não é Flamengo!