Da infância pouco se sabe. Dizem que ele deixou o Acre ainda jovem, talvez aos oito ou quinze anos de idade.
Era
exótico e ambíguo. Chamava-se Francisco Domingos da Silva. Mas no
"glamour" das mais badaladas galerias de arte do mundo era "Un
indien brésilien réinvente la peinture". Chico da Silva, um dos maiores
pintores primitivistas do século passado.
Combinando
carvão, giz, barro queimado, barro branco e mato Verde, lá vai o jovem pintor
acreano Chico da Silva estampar a arte primitiva pelos muros da Favela de
Pirambu, em Fortaleza.
Apareceu por lá no início dos anos trinta e pintou tudo. Casas, muros, portas e janelas. Era visto por todos os lados. Alguns o chamavam de indiozinho, outros, de cabocão. E a maioria de Chico Pintor.
Não
lia e não escrevia. Nunca aprendeu. Autodidata, sua escola de arte foi as
florestas e as águas do alto Rio Tejo onde viveu os primeiros anos. Um gênio
despreocupado!
Gostava
de dragões, sereias, pássaros, tintas, figuras coloridas e monstros
fantásticos. Todos, premiados e louvados. Foi agraciado com menção honrosa na
Bienal de Paris. A mesma Paris, que até hoje lhe rende homenagens.
Nos
Cadernos de Arte de Paris foram escritos inúmeros elogios a Chico. A maioria,
ressaltando sua incontestável genialidade.
Seu
descobridor, o artista suíço Jean Pierre Chabloz, na época morando em
Fortaleza, ao passear pela praia, encantou-se com as pinturas das casas dos
pescadores. Queria conhecer o autor. "São do indiozinho. Ele pinta e vai
embora", diziam os pescadores a Chabloz.
A procura do suíço durou meses. O indiozinho era arisco. E tão logo soube dos boatos da procura Chico da Silva começou a andar desconfiado.
"O
que esse loiro quer comigo. Deve ser o dono do morro e está zangado com
as minhas pinturas", imaginava o artista com a mesma ingenuidade que o
levaria à ruína mais à frente, não sem antes conhecer a fama que o imortalizou.
Tinha alguma razão o Chico, sua genialidade estava por toda parte.
Não
tendo como vencer a insistência do suíço, o encontro que mudaria sua vida
acabou acontecendo. Chabloz deu-lhe alguns contos, comprou tintas e o ensinou a
usar os pincéis. De cara, em curto espaço, já estava nas maiores galerias de
arte do mundo, cercado de admiradores, vendendo quadros como água.
Um
dos seus primeiros quadros, batizou de "O Dragão Comendo a Arraia".
Alheio à disciplina e à ordem, em 1961, o "Diários Associados do
Ceará" organizou uma exposição com 12 trabalhos seus. Chico apareceu no
evento com os pés descalços e com o filho caçula no colo. Causou estranheza
para os padrões da época.
De
imaginação fértil, Chico era a inquietude em pessoa. Falava com a mesma
exuberância com que misturava as cores para retratar monstros
imaginários.
Na
fase primeira, pintava em cartolinas, quase uma aquarela. Levadas à rua, logo
eram facilmente vendidas. Esse vício de vendedor de quadros à granel, lá na
frente, o levaria à ruína.
Sua
obra viajou o mundo, mereceu uma citação especial na Bienal de Veneza em 1966,
entusiasmou críticos e historiadores, como André Malraux, que o qualificou como
um dos maiores artistas primitivistas do seu tempo.
Revelado
em 1944, para os críticos, sua obra foi de 1944 a 1972. Daí em diante, até a
morte em dezembro de 1985, Chico da Silva apenas assinava as telas em troca de
algum tostão para sustentar o vício crônico no álcool.
No
período em que pintou com arte, cada quadro seu era uma verdadeira obra prima.
Expôs em Genebra, Londres, Nova York, Moscou, Paris, Buenos Aires e tantos
outros lugares. Ganhou o mundo. E para a sua tristeza atraiu também a atenção
dos falsificadores.
Em
1967, Chico foi convidado a ir a Londres. O comprador de um quadro seu gostara
tanto que queria muito conhecê-lo pessoalmente. O comprador era a Rainha
Elisabete.
Certa
vez, em meio à primeira crise de autenticidade dos seus quadros, quando uma
adolescente treinada pelo próprio artista para auxiliá-lo em meio aos
inúmeros pedidos que tinha que atender, Chabloz, seu descobridor, culpou
a sociedade pela destruição do artista.
"Eram
muitos pedidos. Todos queriam um Chico da Silva na parede. Para atendê-los,
Chico passava 24 horas pintando sem nenhuma arte. E acabou contratando e
treinando gente para atender as demandas. Afastou-se da arte. Virou uma empresa
de produção seriada".
E foi
exatamente o que aconteceu. De 1969 em diante, Chico da Silva passou a treinar
discípulos que passaram a pintar em seu nome. Ele apenas assinava as telas
dizendo serem obras suas. Com tais práticas, amargou seus últimos dias
totalmente sem credibilidade.
Em
outubro de 1980, Pierre chabloz, o seu descobridor, o sepultou para a arte.
Dizia ele: "Chico virou um vedete, perdeu a originalidade. É um pintor
duvidoso".
Indignado,
chabloz recusava recebê-lo e quando Chico tentou enfrentar a revolta do
criador, o suíço lhe recomendou que antes de tentar novo contato tomasse
um banho de ácido sulfúrico para limpar o caráter comercial que, segundo
ele, havia corroído sua arte.
Para
ele, Chico havia transformado a arte primitiva numa vergonhosa feira livre de
telas sem valor. Mas Chabloz nunca deixou de reconhecer a genialidade do pintor
acreano. O que ele contestava era a falta de disciplina e o desrespeito
praticado por Chico na sua fase final, quando, decadente em razão do álcool,
falsificava a própria arte inserindo sua assinatura em quadros sem valor
pintados por mercadores.
Em
1977, em razão de fortes sequelas psiquiátricas provocadas pelo
álcool, praticamente como indigente, Chico passou quatro anos internado e
praticamente abandonado pela sociedade
Morreu
de trombose em dezembro de 1985. Descansa no cemitério Parque da Paz, em
Fortaleza.
Após
a morte, com a imagem e a credibilidade destruída por falsificadores que ele
mesmo treinara, Chico passou bom tempo esquecido.
Alguns
anos depois, com extrema justiça, passou a ser lembrado como um dos maiores
expoentes da arte primitiva do mundo.
Não
havia como deixar de reconhecer o talento do Chico. Ele tinha. E tinha
muito.