Por Edinei Muniz
No ambiente da sala de aula não
existem estranhos. Os atores do processo de ensino e aprendizagem são, ao
menos em tese - se não, deveriam ser -, por demais conhecidos. Deste modo,
instalar câmeras de vigilância nas salas de aula é o mesmo que dizer que não há
confiança.
A adoção impensada de tal medida, bem
como as suas consequências, são gravíssimas do ponto de vista pedagógico. E
também do ponto de vista jurídico, diga-se de passagem.
Com efeito, a instalação de câmeras
visando o patrulhamento do ambiente pedagógico, irremediavelmente, ao promover
a quebra da relação de confiança e ofender a liberdade de cátedra, este último,
princípio elementar da relação entre ensinar e aprender, afronta
gravemente a Constituição Federal, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e a
Lei de Direitos Autorais.
As câmeras de vigilância nas salas de
aula, com o devido respeito que devo a quem pensa diferente, sinaliza a incapacidade
da própria escola de, por meio do seu projeto pedagógico, superar os eventuais
conflitos que acontecem nesse espaço.
As escolas são - e deverão ser sempre
- ambientes de superação de conflitos. E a via primeira de tal abordagem deve
ser sempre a pedagógica.
A Constituição Federal, em seu
artigo 205, preceitua que "a educação deve ter por finalidade
o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho".
No artigo seguinte, a mesma
Constituição determina que o ensino será ministrado com base em vários
princípios, dentre os quais, a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar
e divulgar o pensamento, a arte e o saber; e a valorização
dos profissionais da educação escolar.
A qualificação para o trabalho dos
alunos passa pelo respeito ao trabalho desenvolvido pelos professores. O monitoramento
constante e ostensivo dentro da sala de aula inibe a liberdade de
aprender e ensinar, desvalorizando o profissional da educação e os
próprios alunos.
Além disso, o direito à preservação
da privacidade e da intimidade também tem previsão expressa na
Constituição (art. 5º, inciso X), que pode ser caracterizado
como "o conjunto de informações acerca do indivíduo e que
só ele pode decidir manter sob controle ou comunicar, decidindo a
quem, quando, onde e em que condições".
Fugindo um pouco do assunto, mas nem
tanto, vejamos um sutil exemplo do que talvez não seja o errado, mas que
também, nem de longe, é o certo como atitude primeira e única.
Imaginemos que numa determinada
escola (o exemplo é hipotético), de uma hora para a outra, comecem a surgir
reclamações de pequenos furtos praticados pelos alunos, tipo, sumiço de
canetas, borrachas, apontadores e outros pequenos objetos.
Pois bem! A direção da escola, por
sua vez, ao perceber o volume crescente de reclamações vindas dos alunos que
figuraram como vítimas dos pequenos furtos, percebendo que algo precisa ser
feito, resolve tomar uma atitude: manda fechar as salas durante o recreio, que
é o momento em que os materiais escolares não encontram-se aos olhos dos
proprietários.
Olhando de modo superficial, nota-se
que a medida adotada pelo Diretor da escola do nosso exemplo hipotético parece
ser a mais adequada. No entanto, do ponto de vista do que seria a principal
responsabilidade da Direção diante de tal problema, a medida foi
insuficiente.
E foi por motivos óbvios: não bastava
à referida escola fazer cessar os furtos - que na verdade são muito mais
brincadeiras sem graça do que furto propriamente -, deveria, por meio de uma
abordagem pedagógica, tratar o problema de modo a educar os alunos no sentido
de que subtrair objetos dos outros não é correto.
A opção pelo exemplo hipotético acima
foi de propósito, eis que o argumento motivador da instalação de câmeras nas
salas de aula encontra abrigo na incapacidade das escolas de conterem a
indisciplina escolar, não raro, inclinando-se pelo mesmo viés, ou seja, a
recusa de enfrentar o problema por meio da abordagem pedagógica.
O debate sobre a instalação ou não de
câmeras de vigilância nas salas de aula, claro, claro, admite argumentos até
razoáveis em sentido contrário. Não tenho dificuldade alguma em admití-los,
ainda mais diante do quadro crônico de violência galopante que vivemos.
No entanto - e aí é necessário que
brote algum esforço de tolerância e bom senso por parte dos seus defensores -,
o que não podemos é confundir democracia com 'democratismo' que, quase como
regra, tem servido de justificativas por aqueles que defendem a medida.
Data Vênia! Argumentar a validade
jurídica da instalação dos equipamentos tendo como base eventuais deliberações
da comunidade escolar em se tratando de direito à intimidade pessoal,
profissional e à liberdade de cátedra, mais parece uma piada, por sinal, de um
péssimo gosto cavalar. E até ingênuo, sendo mais contundente.
Façamos o dever de casa! O dever
prioritário, conforme já frisado, é não distanciar o foco da manutenção dos
objetivos pedagógicos.
Depois, sendo a medida de fato
necessária, que seja ao menos regulamentada, como seria, inevitavelmente, o
caminho mais lúcido para evitar eventuais violações ao aspecto individual (e
coletivo) da intimidade de professores e alunos.
Câmeras de "segurança" nas
salas de aula geram presunção de desconfiança e são antipedagógicas