" Galvez nasceu na euforia da queda de Isabel
II e veio ao Acre com o coração ferido em meio à poesia triste e libertária do
Movimento de 1898
Por Edinei Muniz
Quando Luiz Galvez nasceu, no seio da alta nobreza
da Casa de Rodríguez y Arías, em 26 de janeiro de 1864, a Espanha era um
frasqueirão político em ebulição e os Cavaleiros e Fidalgos do clã do Imperador
do Acre, marinheiros de guerra da realeza, incubidos de proteger e manter a
ordem nos territórios hispânicos no Novo Mundo e ao longo da Costa do
Mediterrâneo, tinham lado: almejavam a queda da Rainha Isabel II.
Naquele 26 de janeiro de 1864, a Espanha
encontrava-se mergulhada numa grave crise política, econômica e também moral em
razão das constantes crises conjugais e os escândalos públicos envolvendo
supostos adultérios vindos da Casa Real.
A Rainha Isabel II, da Casa de Borbón, apelidada de
Rainha "Castiza" pelos espanhóis e acusada pelo marido de ser
ninfomaníaca, quatro anos após o nascimento de Galvez, não tendo como resistir
à Revolta Naval de 1868, conhecida como "La Gloriosa", ocorrida em
Cádiz, berço de Galvez, acabou destronada e teve que deixar a Espanha.
A família de Luiz Galvez esteve na linha de frente
do movimento que derrubou a Realeza em 1868.
Quando o Almirante Juan Bautista Topete, líder da
Revolução Gloriosa de 1868, lia o manifesto que derrubou Isabel II, o tio
de Galvez, Rafael Rodriguez de Arias Villavicencio, futuro Ministro da Marinha
- e dezenas de outros integrantes da família do Imperador do Acre -
repetiam eufóricos o sacramento final do Reinado da Rainha Castiza, que assim
dizia no preâmbulo:
"Espanhóis: A cidade de Cádis posta em armas
com toda a sua província (...) nega a sua obediência ao governo que reside em
Madrid.
Após a queda da Rainha e o Almirante Topete
instalar o 'Almirantado' que faria a transição política, o tio Rafael, o mais
destacado representante do clã dos Rodríguez de Arias, foi nomeado como
Primeiro-Secretário. Portanto, integrava o primeiro escalão da Revolução de
1868.
Os conservadores que haviam derrubado a realeza não
almejavam o fim da Monarquia. O objetivo era derrubar Isabel II, enfraquecer a
Dinastia e instalar um Rei democrático que se submetesse à Constituição.
O clima na Espanha que trouxe ao mundo o futuro Rei
do Acre andava de mal a pior. Fofocas, chacotas, brigas e acusações de traições
enlameavam a Coroa Hispânica e eram estampadas diariamente, na forma de
gozação, nas capas dos jornais europeus.
O Rei Consorte, esposo da Rainha, era Francisco
de Assis, Duque de Cádiz. O Rei da Espanha e conterrâneo de Galvez, em meio às
acusações constantes de homossexualismo, era chamado - no tempo da Espanha que
viu o pequeno Imperador das Selvas vir ao mundo - de "Paquíto".
O Rei, que sofria de hipospádia, uma anomalia rara
na uretra que o impedia de urinar em pé, era chamado pelos Carlistas, a
oposição que contestava a Dinastia da Casa de Borbón, clã da Rainha Isabel II,
de o "Rei que urinava sentado", em alusão à suposta homossexualidade
do intrépido 'islenho', nascido na Isla de León, San Fernando/Cádiz à poucos
metros da mansão onde nascera o Imperador do Acre.
O reinado de Isabel II foi marcado pelas chamadas
Guerras Carlistas, movimento liderado por Carlos María Isidro Benito de Borbón,
o Carlos de Molina, casado com Maria Francisca de Bragança, filha
da Carlota Joaquina, Rainha Consorte de Portugal no Reinado de Dom João
VI.
Carlos reivindicava a Coroa por ser irmão de
Fernando VII, antecessor da Rainha Isabel II. Os Carlistas, ala conservadora da
Casa de Borbón, por não aceitarem uma mulher no trono da Espanha, promoveram
guerras que provocaram progressivo enfraquecimento do Reinado de Isabel II.
A família de Luiz Galvez Rodríguez de Arias, que 35
anos depois seria Luiz I do Acre, era aliada dos Carlistas e lutava para
derrubar a Rainha Isabel II da Espanha, a "Dos Tristes Destinos", da
Calle de Borbón, a família mais influente da Nobreza Européia - fundada em 1268
por Roberto, Duque de Clemont.
Naquele mesmo ano que marcou o nascimento de
Galvez, no verão das brisas mornas de San Fernando, antiga 'Isla de León' -
berço do Imperador do Acre, o Luiz I do Acre - Espanha e Portugal ajustaram os
marcos de fronteira entre os dois países por meio do Tratado de Lisboa. A
família de Galvez participou das negociações do referido Tratado.
Em dezembro daquele mesmo ano, o tio mais
ilustre do 'islenho' Luiz Gálvez, o então Capitão da Marinha Espanhola, Rafael
Rodriguez de Arias Villavicencio, foi nomeado para o cargo de Ofícial Primeiro
do Ministro da Marinha, cargo que ocuparia dez anos depois, por três vezes, não
sucessivas, até 1890, nove anos antes do futuro Imperador do Acre partir do
Porto de Cádiz para a abertura do trono nas selvas do Ouro Verde das Américas.
Dois anos antes, em 1862, o mesmo tio Rafael havia
participado da expedição espanhola ao México sob o comando do General Prim, à
bordo do esquadrão do almirante Rubalcaba, um dos mais poderosos da Armada
Espanhola da época, momento em que foi nomeado, por curto período, Governador
da Fortaleza de San Juan de Ulúa , no Estado de Veracruz , México.
Passados trinta e cinco anos, poucos meses após o
ápice do declínio espanhol provocado pela perda das suas principais colônias
nas Américas, como Cuba, Filipinas e Porto Rico, surgia na Espanha, que chorava
os milhares de mortos dos combates, muitos, da família de Galvez, que liderava
diversas embarcações de Guerra, o Imperador do Acre, viu brotar o Movimento
Cultural de 1898, do qual fez parte ativamente.
A Geração de 98 (Generación del 98 em espanhol) é a
denominação atribuída a um grupo de escritores, ensaístas e poetas espanhóis
que se viram profundamente afetados pela crise moral, política e social na
Espanha subsequente à derrota militar na Guerra Hispano-Americana e a
consequente perda de Porto Rico, Cuba e Filipinas em 1898. Todos os autores
englobados nessa geração nasceram entre 1864, ano do nascimento de Galvez, e
1875.
Ao declarar a independência do Acre e proclamar-se
Imperador, Gálvez não era o único Rodriguez de Arias a encontrar-se na distante
América.
Há exatos dois meses daquele memorável 14 de julho
de 1899, o tio Rafael, já ex-Ministro da Marinha, discursava em Caracas, na
Academia de Letras da Venezuela, como "correspondente da Coroa Real
Espanhola" em suposto evento acadêmico.
Será que o Tio Rafael, herói de guerra e
ex-ministro da Marinha em importante passagem da História Espanhola, não
teria dado um pulinho no Acre dois meses depois para ajudar o sobrinho na
instalação do Estado Independente do Acre?
·