CLÁUDIO MOTTA-PORFIRO*
Menina
meiga, doce e bela, no seu passinho curto de princesa, desfila pela academia
para cá e para lá, nos intervalos dos exercícios de musculação, ou antes do
elíptico, da seção de bike ou da aula de body pump. Durante
toda a tarde, ao seu lado, segue dama de honra com a garrafinha d’água da cor
rosa bebê.
A acompanhante, faceira e entusiasmada, é do tipo de atleta que
malha mais a língua que os demais músculos. Uma observa e fala, mas fala muito.
Parece até que bebeu água de chocalho antes de sair de casa. A outra anota tudo
num caderninho escondido entre a orelha e o brinco de jade. O lápis é uma
varinha de condão. Uma fadinha nos seus silicones protuberantes e lindos.
São vizinhas e residem
em Hanôver, a capital da Baixa Saxônia. A cidade conta com umas quatrocentas
academias para uma população de quinhentas e vinte mil almas obesas na sua
maioria, posto que ricas. Toda a Alemanha está apinhada desses institutos
repletos de espelhos tais e quais lagoas sagradas onde narcisos e narcisas vão
mirar bíceps e bundas. Tão trivial.
São muitos os itens
anotados no caderninho mágico. Os olhos de garça da dama de companhia nada
deixam escapar. É tiro e queda. Pá-bufo!
Tudo, em síntese, é um
mega reality show, como está gravado nos melhores momentos da
partida de todos os dias de oito anos corridos.
Personagens indeléveis
são os aqui denominados agentes da estética ideal. (No Reino Unido,
chamados personal trainers.) São ranzinzas enquanto podem.
Esses moços e moças se tornaram os detentores das super fórmulas, que
transportam todos, urgentemente, para o refúgio sagrado da silhueta
pós-moderna. São real e exaustivamente cuidadosos. Ganham cinquenta euros por
cada seção diária e atendem a uma revoada de nobres e demais viventes de
selecionada estirpe. Coisa fina.
Escapa às vistas, mas
não consegue se esquivar do caderninho mágico. Parece bruxaria. Eis que passa
ao largo um moço esbelto em cabelos eternamente escovados, talvez engomados.
Dependendo do dia da semana, o gajo impávido colosso pode atender pelos
epítetos de Vida Mansa, Vida Leve ou Vida Boa.
Descolado é adjetivo fraco para os substantivos e a ginga do moço. É craque de
bola e campeão na elaboração de shots e caipirinhas pelo mundo
afora. Fez estágio em pubs de Amsterdã, chacoalhou
coqueteleiras de ouro, mas aprendeu tudo mesmo foi no Morro do Pavãozinho, Rio
de Janeiro. Ainda hoje se delicia ao recordar o dia em que, ao lado da bela
namorada e do poeta Heinrich Heine, perfez uma jornada de treze horas entre
cervejas e caldinhos de feijão. Pense numa farra assim do estilo Long Day's Journey into Night, o
filme de Bi Gan.
Duas da tarde e o
calor do verão deixa a todos afogueados. Uma dama em idade dourada se faz
acompanhar da sua agente da estética ideal em exercício de panturrilhas. Ali
por perto passa a cliente do horário anterior. A data celebra o Valentine’s
Day. E o diálogo se faz ameno, digno de Shakespeare em Rei
Lear:
- Já fez os dez
minutos de bike bem direitinho? Agora, pode ir. Mas não vá comer porcaria hoje
à noite, viu. Cuidado com a tentações do dia dos namorados. – Diz a agente. Ao
que a dama em idade dourada arremata:
- Não vá comer,
principalmente, aquele seu namoradinho insólito. Carinha sem sal e sem pimenta.
Aqui pra nós. Como é que pode? Difícil, oh!
Uma das musas da
musculação planeja fundar um cardume no WhatsApp exclusivo
para os atletas e fisiculturistas que enchem a cara no final de semana. Ela
própria entorna o caldo. O poeta rabugento toma todas e sorve através do
algodão. O Vida Mansa faz chover. A Superatleta sai
debaixo. São muitos os participantes destes esportes radicais em mesas de
bares. A gerente geral do grupo já pespegou um nome incrível. Chamar-se-áGrupo Repondo
Carboidratos. Não é fofo?
E a administradora
viajou para passar treze dias em Sankt Peter-Ording, no litoral norte alemão.
No dia da viagem, como numa despedida entre mãe e filha, com os olhos rasos
d’água, ela fitou as retinas de uma moça conhecida como Superatleta e
fez ecoar as frases mais lindas que o poeta esdrúxulo já ouviu:
- Ore por mim, irmã.
Eu vou passar quinze dias na cachaça e devo voltar balofa.
Exagero puro.
Hipérbole. Ganhará apenas uns quilinhos a serem debelados em uma semana de
treinos acima de exaustivos. Ela vai beber é cerveja mesmo. Se fosse tomar
cachaça – juro! – afinaria e voltaria um palito, ou sequer voltaria.
Tudo no ambiente acadêmico é
um show de grandes novidades e o tempo não para, como na poesia do Cazuza.
É lindo ver a Superatleta passar,
diariamente, metodologicamente, pela seção musa ao espelho. E todas
as meninas, dos dezoito aos oitenta, fotografam as silhuetas com a intenção
exclusiva de se auto admirarem mais tarde, no aconchego dos seus lavabos
elegantíssimos. As mulheres são assim mesmo e é isto que as torna
indelevelmente admiráveis. Juro.
Há alguns anos, quando
ainda residia em Dusseldorf, capital da Renânia do Norte-Vestfália, às margens
do Rio Reno, a princesa anotou no seu caderninho mágico um episódio digno de
menção pela poesia e pelo lirismo que da frase exalam.
Mocinha de alta rodagem
vestia uma malha meio folgada, bem ao estilo alemão. Uma amiguinha em penugens
loirinhas disse que adorava os refrescos de framboesa e perguntou-lhe sobre o
seu gosto em termos de sucos. Ela foi sapeca, mordaz, fulminante e doce:
- Eu gosto de suco de
mamão, porque quero ficar com o rabão.
A princesinha
leu Como Fazer Inimigos e Alienar Pessoas, o livro de Toby
Young, o jornalista inglês. Dentre as muitas digressões acerca do convívio da
mídia com as celebridades de New York, ela destacou uma por achá-la adequada ao
ambienteacadêmico.
Segundo Toby, se você
vir uma herdeira de Manhattan sentada em um bar com uma celebridade tendo ao
lado um jornalista, este apenas observará com os olhos ávidos o diálogo entre
os ricos. O mesmo ocorre com os personal trainers. Mas pior mesmo
acontece com a maioria dos escritores, que nunca ganham dinheiro e ficam
olhando da janela por serem exatamente pobres.
A moça do caderninho
mágico deve ter interesses e conluios com o tal poeta mambembe descendente de
portugueses. Em conversa de pé de orelha, dele ela ouviu frase lapidar:
- Presta bem atenção,
oh bela rapariga. Nascer bonito é até muito fácil. Difícil mesmo é
tornar-se sexy - de sexagenário - e manter a
beleza que Deus deu a ti de graça. Tudo isso aqui é, realmente, cansativo pra
cacete.
Mas é preciso dizer
algo muito conveniente: qualquer semelhança não será mera coincidência. Esta é
uma obra de ficção e os fatos e personagens aqui narrados nada têm a ver com a
vida real. Juramos por Deus.
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*Escritor.
Membro da Academia Acreana de Letras, Cadeira 27. Autor de O
INVERNO DOS ANJOS DO SOL POENTE, romance, disponível pelo https://www.facebook.com/claudio.porfiro >